quarta-feira, 31 de março de 2010

Um morcego na porta principal



Nos últimos tempos, algumas das histórias menos conhecidas da música brasileira têm sido contadas através de documentários bem interessantes. Primeiro assisti o filme sobre o ex-Mutantes Arnaldo Baptista, depois o documentário sobre o cantor Wilson Simonal e nesse último final de semana vi o genial Jards Macalé brilhar no filme “Um Morcego na Porta Principal”, de Marco Abujamra e João Pimentel.
A principal diferença entre o documentário de Jards e os dois outros citados é que “Um Morcego...” não se preocupa tanto em contar a história da carreira do eterno maldito (rótulo que ele rejeita com veemência no filme) seguindo uma linha cronológica. Talvez isso se dê pela própria característica da trajetória de Macalé, embora tão rica quanto, menos trágica do que as de Arnaldo Baptista e Simonal. Em lugar da carreira, a figura, o personagem é o mais importante.
O filme tem depoimentos de Jorge Mautner, Luiz Melodia, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Abel Silva, Nelson Motta, Capinam, Paulinho da Viola, Dori Caymmi, José Celso Martinez Corrêa e dos poetas Chacal e Xico Chaves. A doce figura da mãe de Macalé, dona Lygia, que canta com ele no disco “Aprender a Nadar” também marca presença.
No mais é Jards Macalé cantando e contando histórias curiosas. O documentário permite vislumbrar um pouco da vastidão da obra radical do artista. Violonista, compositor e arranjador, Macalé tem um currículo impressionante. É parceiro de Vinícius de Moraes, Dori Caymmi, Torquato Neto e Waly Salomão. Produziu e arranjou discos de Caetano Veloso e Gal Costa. Fez trilhas para filmes de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Tem músicas gravadas por Clara Nunes, Gal Costa, Maria Bethânia, Luiz Melodia, Zeca Baleiro, Adriana Calcanhoto e outros figurões da MPB. Mesmo assim permaneceu só e pouco conhecido do grande público.
Mas Macalé não parece cativo no abismo em que se meteu por opção própria, ao resolver enfrentar o cenário de mediocridades palatáveis que a MPB é capaz de produzir. Jards prefere o caos, onde cabem no mesmo baú o samba dos morros cariocas, a malandragem da velha Lapa, o jazz, a psicodelia e a atitude provocativa do rock´n roll de outrora, o canto dramático a la Bola de Nieve, a rica tradição do choro brasileiro, os sons fraturados e experimentais de Rogério Duprat e Walter Franco. Me lembro de uma matéria com ele na saudosa revista Bizz, nos anos 80 em que ele dizia só estar ouvindo naquele momento o cantor e pianista cubano Bola de Nieve e Jimi Hendrix. Ao falar de política, afirmava: “Meu partido é o partido alto”.
No documentário, surgem saborosas histórias, como sua prisão em Vitória do Espírito Santo, no final dos anos 70, apesar dos esforços impagáveis do seu parceiro mais famoso, o malandro fundamental Moreira da Silva, ou o dia em que ele resolveu morrer, no início dos anos 80 e foi demovido da idéia por uma sessão de quinze minutos “Rancho Fundo” tocada ao telefone por João Gilberto.
E há a música... o violão, ora ressoando furioso ora delicado. O canto sempre intenso de Macalé, com seu jeito inconfundível de pronunciar as palavras. Talvez “Um Morcego na Porta Principal” não seja o filme definitivo como documento da trajetória do artista, mas é um retrato detalhado de um artista raro e especial.

3 comentários:

Pedro. disse...

E tem a dona Lygia cantando, é ? Ele fala no "Ensaio" que ela costumava cantar muito lindamente, que é um doce de pessoa e que Joao Gilberto muito a elogiava. Pena que eu nao vou ver este documentário, aliás os outros mencionados idem, nao tao cedo. Uma honra né, poder ser amigo do Joao Gilberto e ouvir uma sessao única de "Rancho Fundo". Vou ver se consigo o número dele e ligar nas horas de crise. rsrsrsrsrsrsrs. Quem sabe ele nao funciona também comigo ?

POBRE MEU BLOG disse...

Só a conta é que vai ficar cara...abraço

Pedro. disse...

Pode crer, mas deve valer a pena. O lance é falar pra ele ligar de volta. rsrsrsrs.