sábado, 24 de outubro de 2009

Isto é Reinaldão

"Conheci uma Sônia, uma Soraya e uma Solange com esse apelido: Sossô. Mas a Sossô que me apareceu ontem aqui tem outro nome, poder de hippie: Sonora. Vai vendo a peça: branquésima, narizinho finlandês de Bjork,cabelo preto-graúna, tingido, de corte assimétrico inspirado na teoria do caos, olhos otchichórnios um tanto asiáticos e capitulinos. O que a impedia de ter uma carinha artificial de boneca era a pequena coleção de crateras e espinhas nas faces magras, nada excessivo, porém. E piercings, toneladas de piercings na estampa. Que eu me lembre, tinha um alfinete espetado na sombrancelha, uma argolinha atravessando a junção das narinas, um minibrilhante incrustado numa asa do nariz, brinquinhos de argola cravados nas orelhas desde o lóbulo até a aba superior, acho que uns quatro em cada orelha. Vendo aquilo, passei a imaginar-lhe um possível piercing num mamilo e outro na xota. Só duvidada um pouco que a sorte - ou o destino - fosse me dar de bandeja a oportunidade de checar isso. Mas, às vezes, a gente se engana com a sorte, meu caro, e também com o destino. A gente se engana com quase tudo"
(Trecho de "Pornopopéia", de Reinado Moraes)

sábado, 17 de outubro de 2009

Walter Franco, Paulo Leminski, Charles Bukowski e filminhos na garoa

Walter Franco, Leminski e Bukowski. Cada um tem sua singular trajetória na vida e nas artes. Em comum, a poesia. E tudo é poesia, como diz Walter Franco. O resto é prosa. Meu último final de semana teve um pouco dos três.
Fui ver o show “Raça Humana” de Walter Franco, no Auditório do Ibirapuera. Já tinha visto o cara algumas vezes, sempre com voz e violão e é sempre ótimo e intenso. Com banda o bicho pegou mais ainda. Duas guitarras, bateria, percussão e o baixo histórico de Willy Verdaguer, puta músico, que foi dos Beat Boys. Acompanhado dessa banda poderosa, Walter visitou a sonoridade experimental e às vezes pesada dos seus discos “Ou Não” e “Revolver”. Aquele lance que ele faz tão bem de passar da sutileza, dos silêncios, ao peso e ao grito primal, sempre fica legal com voz e violão. A banda ampliou essas possibilidades sonoras. Temas como “Respire Fundo” e “Tutano” evidenciaram isso.



Não sei se todos se ligam, mas essa coisa do Walter de passar da delicadeza para aquele quase rugido, aquele canto urgente, como se fosse um náufrago gritando por socorro é muita influência do John Lennon. Ouça “Canalha” e “Mother”, as duas com o grito primal dando o tom das interpretações. Ou então compare “Feito Gente” com “I Want You (She´s So Heavy). A influencia de John Lennon também está na capa do disco “Revolver”. Ele caminhando por uma rua de São Paulo, de cabelos compridos e mãos nos bolsos do terno branco, evoca o Lennon da capa de “Abbey Road”. São dois criadores. Os dois, como disse o Augusto de Campos, se equilibrando entre a paz e a turbulência.
Uma atração especial do show foi ver o Alberto Marsicano tocando sitar. O som daquela porra ao vivo é uma coisa muito louca. Fiquei imaginando que aquele som deve turbinar qualquer viagem, as lisérgicas e as espirituais. Ele acompanhou Walter e a banda em “Govinda” e “Zen”.
Às vezes fico meio de saco cheio daquela coisa de “tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”. O cara tem algumas canções fudidas e para dizer para as pessoas quem é Walter Franco você tem que citar essa. Que é legal e tal... é uma coisa dele mesmo, não é fake. Mas eu preferia poder dizer por aí que Walter Franco é o cara que compôs “Mixturação”, que aliás ele tocou no show e quase fez o teto cair...
Walter também tocou “It´s only life, but I like it”, de Leminski, fazendo a conexão com a outra face da moeda, os Rolling Stones. No dia seguinte ao show, visitei a Ocupação Paulo Leminski no Itaú Cultural. Cara... nunca vi uma instalação tão caprichada, cheia de ambientes temáticos e tal. Muitos, muitos, muitos textos do Leminski pelas paredes do Itaú Cultural... até nos banheiros... Dá pra passar o dia por ali. Confesso que eu não consigo ficar lendo poesia escrita na parede com som rolando no fundo e um monte de gente passando na minha frente ou conversando do meu lado... mas mesmo assim valeu a pena visitar. Os vídeos são muito legais. Várias entrevistas com o Leminski. Em vários ele fala aquela coisa da poesia ser um “inutensílio”, ou seja, não servir para nada, apenas para o prazer de quem lê ou sente aquilo que o poeta diz e por isso mesmo, além de inútil a poesia é fundamental... O título de um dos vídeos é “Polaco Loko Paca” que eu e a Aline adotamos como apelido do nosso filhote, branquelinho. Nosso projeto de furacão voando pela casa.




Também resolvi adotar um texto do Leminski como epitáfio. Já avisei a Aline que quando eu for comer capim pela raiz pode escrever na lápide “Quem vai embora não embolora”.
E velho Buk com isso? Bão... arrematei, com um pequeno sangramento no orçamento, o “Textos Autobiográficos” que foi lançado agora. Ele foi pra fila das leituras. Tô no meio de “A Ciência e a Filosofia dos Modernos” que leio por dever de ofício. Depois tem o “Vida de Escritor” do Talese e aí chego no Bukowski.



Ah... por fim...passei nas banquinhas dos piratas da Augusta e arrematei vários filminhos. Cada filme dez reais ou três por vinte e cinco. Peguei “Amarcord”, “E La Nave Va”, “Querelle”, “A Noite”, de Pasolini, “Zabriskie Point” e um documentário sobre o Kerouac. Cinquenta paus bem gastos, eu achei...
É isso... “tudo absurdo, mas tá tudo bem”.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Hoje eu vou



Walter Franco toca hoje, sexta-feira, dia 9, no Auditório do Ibirapuera, em Sampa.
Com bandona e tudo. Tem até o Alberto Marsicano na sítar. Se tudo der certo (tem a porra do trânsito e tal) estarei lá.
Quem puxa aos seus não degenera...

sábado, 3 de outubro de 2009

Lóki - o filme


“Dizem que sou louco/ Por pensar assim/ Sim, sou muito louco/ Por eu ser feliz/ Mas louco é quem me diz/ E não é feliz”. Os versos da “Balada do Louco”, composta e gravada pelos Mutantes em 1972, funcionam como mote para a história contada no documentário “Lóki”, dirigido por Paulo Fontenelle, sobre a vida de Arnaldo Baptista, tecladista, líder e principal compositor do grupo.
Arnaldo sucumbiu a uma guerra mental travada entre sua genialidade artística, a sensibilidade fora do comum, as drogas lisérgicas consumidas com intensidade nos anos 70, o martírio amoroso após a separação de Rita Lee e o desprezo da mídia pelo seu trabalho solo.
O filme de Fontenelle mostra isso, mas reafirma o lado heróico da trajetória do ex-mutante. O artista consagrado que foi aos infernos, conheceu a decadência, passou a centímetros da morte e ainda está por aí. Feliz como o louco da “Balada”. Documenta, mas também mitifica. O que, cá entre nós, não faz mal nenhum. A sobrevivência de um artista talentoso, dono de uma obra desenvolvida com rigor, deve ser comemorada cada vez mais diante do cenário de mediocridade absoluta que impera na música do país. Vamos mitificar quem? As pernas compridas e as interpretações truculentas da tal Ivete? O deserto mental dos sertanejos românticos? Que se dê a Arnaldo Baptista as loas que ele merece. E se sua história trágica turbina o mito, o que se há de fazer?
Para os que já conhecem a obra de Arnaldo, que se insurge como uma ilha de originalidade musical e poética, seja com os Mutantes, seja em carreira solo, o filme é um deleite. Principalmente pelas imagens raras que Fontenelle descobriu nos baús mais empoeirados da cultura brasileira. Tem os Mutantes, ainda com Rita Lee, tocando “Ando Meio Desligado” numa performance arrasadora diante de uma grande público em algum lugar dos anos 70. Também tem os Mutantes, já sem Rita, no início da fase progressiva da banda mandando ver em “O A e o Z”.
Mas são as imagens raríssimas da carreira solo de Arnaldo que vão enlouquecer os fãs. Um belíssimo clip de “Será que Eu Vou Virar Bolor?”, faixa de abertura do LP “Lóki” de 1974. Embora o filme não traga maiores informações, creio que é um daqueles clips que o “Fantástico”, da TV Globo, produzia, ainda na era “pré-videoclip”. Melhor que isso, só ver Arnaldo tocando com a poderosa banda de hard rock Patrulha do Espaço, grupo criado por ele após sua saída dos Mutantes. Com a Patrulha, Arnaldo gravou coisas lindíssimas que só saíram em disco no final da década de 80, quando o músico estava totalmente afastado da vida artística. O grupo prosseguiu após a saída do seu criador e se transformou numa banda heavy metal respeitada no meio underground paulistano.
Por fim, há vários bons depoimentos. Antigos e atuais. Além de Arnaldo, falam Tom Zé, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Nelson Motta, Roberto Menescal, Zélia Duncan, Lobão, todos os ex-Mutantes (menos Rita Lee), o artista plástico Antonio Peticov e o produtor musical Luiz Carlos Calanca e os gringos Sean Ono Lennon e Devendra Banhart.
O advento da volta dos Mutantes também está presente no documentário. As cenas da reestréia do grupo, em Londres, e do show para 80 mil pessoas em São Paulo são emocionantes.
“Lóki” vale a pena. É memória e é experiência. Ambas articuladas à grande arte, delirante e intransferível, de Arnaldo Dias Baptista. Obrigatório.

Obs. – Para quem é fã de Arnaldo e da banda a Revista Trip deste mês traz uma matéria sobre a lendária viagem de moto do ex-mutante pela América Latina. A revista promoveu o encontro entre Arnaldo e dois companheiros de aventuras motociclísticas. Interessante.