sábado, 30 de maio de 2009

Gulliver é brasileiro?

Disse o rei para Gulliver, após ouvir sobre como as coisas funcionavam na velha Inglaterra:

“Fizestes o mais admirável panegírico de vosso país; provastes à sociedade que a ignorância, a ociosidade e o vício são os ingredientes adequados à qualificação de um legislador; que as leis são melhor explicadas, interpretadas e aplicadas por aqueles cujo interesse e habilidade consistem em as perverter, confundir e iludir. Observo entre vós alguns traços de uma instituição que poderia ter sido, originariamente, toletrável, mas cuja metade está quase apagada, ao passo que o resto foi inteiramente obliterado pela corrupção. Não transparece, em quanto dissestes, que se exija uma única perfeição para alguém que atinja uma posição qualquer entre vós; e muito menos que os homens sejam enobrecidos em razão da sua virtude; que os sacerdotes sejam promovidos pela piedade ou pelo saber; os soldados, pelo procedimento ou pelo valor; os juízes, pela integridade; os senadores, pelo amor à pátria; os conselheiros, pela sabedoria. Pelo que vos toca”, prosseguiu o rei, “a vós, que passastes viajando a maior parte da vida, inclino-me a pensar que tenhais, até agora, escapado a muitos vícios do vosso país. Mas, pelo que depreendi do vosso próprio relato e das resposta que, tão penosamente arranquei e extraí de vós, não posso menos de concluir que a grande maioria dos vossos semelhantes é representada pela mais perniciosa raça de pequenos e odiosos insetos que a natureza já permitiu rastejassem na superfície da Terra”.

Parece um lugar que eu conheço...

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Germano Mathias

“Por onde andará Germano Mathias? Magro, irrequieto, sarará, sua ginga da Praça da Sé, jogo de cintura da crioulada da Rua Direita? E o que foi que fez, maluco, azoado, de seu samba levado na lata de graxa?” Assim começa o belo texto “Abraçado ao Meu Rancor”, no livro do mesmo nome, escrito por João Antonio, cronista do submundo das grandes cidade brasileiras.
Pois é... Germano andou por aqui neste final de semana e tive o prazer de passar umas boas horas batendo um papo quase surreal com o catedrático do samba. Aos 75 anos de idade “corpo limpo, sem varizes e afogando o ganso como se fosse o pavão misterioso”, Germano é daquele jeito que vemos na televisão ou no DVD Ginga no Asfalto. Fala pelos cotovelo, emenda uma piada na outra, a maioria de duplo sentido.
Esse foi o lado A da conversa. O lado B foi uma inusitada palestra sobre reencarnação, lei do carma, resgate, umbrais e todo o tradicional discurso kardecista. Germano e o lendário Ventura Ramirez, um dos mais importantes violões de 7 cordas de São Paulo, fizeram uma conferência que daria inveja ao Chico Xavier.
Depois do papo pornô-espírita, Germano, acompanhado por Ventura, o mestre Osvaldinho da Cuíca, além de dois músicos jovens no cavaquinho e na percussão, deram aquele show saboroso, recheado de sambas sincopados, piadas e samba no pé. Com a lata de graxa e tudo. Inesquecível. Aline fez as fotos abaixo.
De resto, deixo as palavras do João Antonio: “Já Germano Mathias repinicava na lata de graxa escarrapachadamente, samba subido ou descido da Barra Funda, do Largo da Banana, da Alameda Olga, com escala posterior pelos Parques Peruche. A lata de graxa dá um som mais fraquinho, estridente, que não é o da frigideira. Som oquinho, moleque, serelepa algo debochado, catimbado. Isso, catimba. A frigideira vai longe, a lata de graxa manda para perto do ouvido. E da gente. Mas tem que, o sarará desenvolvia um repinicado gingado, atiçado. Viu uma faca correr no prato, no samba? Pois é. Bonito. Assim o sarará batia a lata de graxa”





domingo, 24 de maio de 2009

Robert Mapplethorpe

Até 26 de junho a Galeria Fortes Villaça, em São Paulo,está exibindo algumas fotos de Robert Mapplethorpe. Em sua maioria são nus e fotos de flores. Mapplethorpe é delicadeza pura. Mesmo quando fotgrafa o submundo de Nova York. É dele a capa do maravilhoso "Horses" de Patti Smith. Aliás, os dois eram muito amigos e moraram juntos por um tempo no lendário Chelsea Hotel. Mapplethorpe morreu por causa da Aids na década de 90. No site "O Século Prodigioso", linkado aí ao lado dá pra conferir várias fotos do cara. Abaixo, posto três delas: Patti Smith, Willian Burroughs e uma flor.





sexta-feira, 15 de maio de 2009

Bill Graham apresenta: minha vida dentro e fora do rock´n roll



São 575 páginas e poucas fotos o que, infelizmente, já vai afastar alguns possíveis leitores. Mas, se você não tem preguiça e gosta de rock´n roll, tem que encarar o livro “Bill Graham apresenta: minha vida dentro e fora do rock”, lançado pela Editora Barracuda.
Alguns críticos disseram que é até melhor que o clássico “Mate-me, pro favor”, a história definitiva do punk rock. Deixando as comparações de lado, o fato é que “Bill Graham...” tem a mesma estrutura que “Mate-me...”, ou seja, é composto inteiramente por depoimentos de entrevistados que vão desde astros como Keith Richards, Peter Gabriel e Eric Clapton, até familiares do personagem.
E quem, afinal de contas, é o personagem? Pois bem, Bill Graham foi um dos caras que transformou a promoção de shows de rock em um dos negócios mais rentáveis do mundo. E sua história é fascinante.
Judeu, teve que fugir da Europa assolada pelo nazismo. Viu sua família ser esfacelada e, aos onze anos de idade, chegou aos Estados Unidos, sem família e sem falar a língua, para tentar iniciar a vida a partir do zero. O início do livro é pesado, pois trata da fuga do nazismo e do incrível drama familiar ao qual Graham sobreviveu.
Depois, a infância no Bronx, as viagens e os empregos em hotéis e restaurantes dos Estados Unidos ocupam algumas páginas mais leves, às vezes até engraçadas. Mas é quando o rock entra na vida de Bill Graham que o livro cresce.
Graham fundou dois palcos fundamentais para o boom do rock´n roll na década de 60: o Fillmore West, em San Francisco, e o Fillmore East, em Nova York. Ali passaram e consolidaram suas carreiras artistas como The Doors, Jimi Hendrix, Eric Clapton e o Cream, The Who, The Byrds, Grateful Dead, Tem Years After, Jefferso Airplane, Janis Joplin e tantos outros.
As histórias dos bastidores dos Fillmore são deliciosas. Relatos de shows inesquecíveis e de situações absurdas envolvendo grandes ídolos da música pop. Através delas, é possível perceber como as bandas deixaram de ser garotos unidos para fazer um som por prazer ou para impressionar as garotas e se tornaram superstars cheios de manias e exigências absurdas.
Graham também dirigiu a casa de shows Winterland que recebeu shows históricos como o último show da conturbada turnê dos Sex Pistols nos Estados Unidos.
Como produtor independente de shows, Bill Graham produziu turnês de gente como os Rolling Stones, Bob Dylan, Led Zeppelin, Crosby, Stills, Nash & Young e George Harrison.
O livro vale a pena por ser parte importante da história do rock´n roll e também para que o público possa conhecer o personagem Bill Graham. Ao mesmo tempo, profissionalíssimo e passional, careta e ousado nas suas concepções artísticas, apaixonado pela música e dotado de uma visão pragmática de negociante. Uma contradição ambulante, enfim. Um personagem tão apaixonante e tão contraditório quanto o rock´n roll que ele ajudou a transformar, de uma expressão da rebeldia juvenil numa mina de riquezas e vaidades.
Histórias escabrosas do Led Zeppelin, frescuras absurdas de Crosby, Stills, Nash e Young, papos de fim de noite com Jim Morrison e Jimi Hendrix. E as maravilhosas descrições de shows como de Otis Redding e Roland Kirk, bastidores de Woodstock e Altamont, porralouquices dos Merry Pranksters de Ken Kesey...não sei o que é melhor. Tem que ler, porra.