domingo, 27 de março de 2011

Pensando em Kerouac



A vida é um pingo de chuva no mar
Mesmo assim, viver é desejar
O outro, seu corpo, sua mente
Sempre pergunto a Deus o porquê
Mas nunca tive uma resposta decente

terça-feira, 15 de março de 2011

quarta-feira, 9 de março de 2011

Patti Smith - Só Garotos


Li "Só Garotos" e achei do caralho. No entanto, fiquei enrolando para escrever algo aqui no bloguinho. Até que li um puta texto no blog Magic on Sundays, da jornalista rock´n roll Renata D`Elia (não é acento agudo, é apóstrofe!). Ela é especializada em cultura e escreveu tudo o que eu queria, com muito mais competência, evidentemente: "Poucos meios são maiores do que o punk e as palavras de Patti Smith para dar conta de tamanha intensidade de vida, do mais solar ao mais sombrio dos humores".
O link para o Magic On Sundays tá aí do lado. Sempre vale a pena visitar.
O texto da Renata segue abaixo, com um som de brinde.

Amo Mapplethorpe. Suas fotos de trevas e luz, seus homens-escultura mais que vivos, suas flores fálicas sobre fundos profundamente negros, sua dicotomia explosiva, demoníacos olhos verdes e seu materialismo cruzado com o mais divino e profano erotismo em algum lugar reprimido dos nossos subconscientes. Também amo Patti Smith. Sua magreza andrógina, cabelos desgrenhados, sua voz de natureza ctoniana, o rock brutal, sua beleza descendente de Baudelaire & Rimbaud. Poucos casais do mundo da arte me parecem tão alquímicos, indissolúveis e ao mesmo tempo tão próximos de seus interlocutores. São irmãos de alma e também nossos irmãos.


Ouço Patti Smith e vejo Mapplethorpe sem separá-los, com todas as suas diferenças. Apesar da crueza de suas obras -- ela em poesia e rock n' roll, ele em fotografia e alguns desenhos -- ambos despertam em mim uma espécie de simpatia pelos jovens artistas, sempre confusos e esfarrapados, que dividem com a gente o banco do metrô. O tipo de gente estranha para quem sorrio na rua e acabo trazendo, com todo rol de problemas e loucuras, para dentro de minha vidinha observadora. Ela muito irreverente, com todo o arcabouço poético. Ele meio perigoso, com toda provocação inconsequente.


Não que tenha sido tanta surpresa, mas tudo isso fica muito melhor em livro, contado pela personagem principal. Estou falando de "Só Garotos" (Companhia das Letras, com boa tradução de Alexandre Barbosa de Souza), obra memorialística de Patti Smith em homenagem a Robert Mapplethorpe, morto em decorrência da AIDS em 1989. O livro ganhou o National Book Awards, um dos prêmios máximos da literatura norte-americana, em 2010. Com isso, aproximou pedaços incríveis da história da arte no século 20 de quem nunca levou Patti Smith ou Mapplethorpe muito a sério.


Patti faz um relato fluído, afetuoso e recheado de historietas de bastidores sobre a formação de toda uma geração de artistas com embrião na década de 1960, mas que só explodiram 10 anos depois. A Nova York do Hotel Chelsea -- que já abrigou e foi frequentado por Janis Joplin, Chales Bukowski, William S. Burroughs, Iggy Pop, além de Patti , Robert e outros -- é apresentada pelo olhar da artista que dormiu na rua, passou fome, e chegou a ganhar um sanduíche das mãos de Allen Ginsberg após ser confundida com um garoto. O rock de Bob Dylan, The Doors e dos Rolling Stones figura como parte central da história dos Estados Unidos, o pano de fundo perfeito para a formação de Patti muito antes de montar seu "Group" e botar abaixo o público do velho CBGB, verdadeiro berçário do punk.


A coleção de fotos e raridades como poemas e desenhos é das mais completas. Há também muitos insights e esclarecimentos. Quer saber quando Patti Smith percebeu que podia fazer rock n' roll? Está lá. Quer saber como Robert descobriu a fotografia e como ele se flagelou mentalmente até que isso acontecesse? Está lá também. O livro não substitui peças importantes para dissecar o surgimento do punk, o submundo novaiorquino e a turma de Andy Warhol, mas é parte fundamental disso. Dialoga diretamente com "Please, Kill Me" de Legs McNeil e Gillian McCain e vai muito além quando se trata da "cola mágica" que une duas pessoas predestinadas a serem fundamentais uma para a outra. A homossexualidade de Robert -- que foi namorado de Patti -- e seus conflitos pela origem familiar católica e conservadora de Staten Island é tratado de maneira muito mais sutil do que na biografia "Mapplethorpe", da jornalista Patricia Morrisroe (Editora Record, esgotado), que, aposto, injetou em Patti uma bela dose de raiva-motor para que contasse sua versão da história.


Há pelo menos uma diferença básica entre as Patricias. Morrisroe parece particularmente interessada nas motivações sexuais perversas que levaram um Mapplethorpe "desafiadoramente sincero nas entrevistas" à sua representação incômoda do universo sadomasoquista gay de Nova York e da beleza negra masculina como "objeto inferior". Smith, por sua vez, se empenha em humanizar a figura "arisca, provocadora e insegura" descrita pela xará. Enquanto a "falta de rigor técnico" de Mapplethorpe é forçadamente explicitada pela jornalista, a inspiração e o talento nato são naturalmente exaltados pela companheira de jornada.


São diferentes também as versões sobre a célebre foto da capa do álbum "Horses" (1975), de Patti Smith, feita em Manhattan, no apartamento de Sam Wagstaff, um judeu riquíssimo que foi amante, mentor e marchand de Mapplethorpe por pelo menos 10 anos. Não vou estragar a surpresa. A versão de Morrisroe, está aqui. A de Patti Smith você lerá num dos melhores livros dos últimos tempos, direto do planeta em que os amantes determinam a vibração energética das noites. Poucos meios são maiores do que o punk e as palavras de Patti Smith para dar conta de tamanha intensidade de vida, do mais solar ao mais sombrio dos humores.