quinta-feira, 4 de julho de 2013

Afogado em números

Em 35 dias de saudades vazias 28 foram de madrugadas frias Por 8 vezes surgiram sorrisos espontâneos E por 14 os olhos transbordaram Te mandei à merda 42 vezes E por 22 vezes decidi não pensar mais no assunto Só perdi mesmo a conta de quantas vezes refiz essas contas

domingo, 2 de junho de 2013

“Amsterdã Blues” e o ano da graça de 1986

Comecei a ler o livro “Amsterdã Blues”, de Arnon Grunenberg, que caiu nas minhas mãos meio por acaso, e tô gostando pra caramba. É um daqueles livros autobiográficos sobre a juventude. No caso do autor, um holandês de família judaica, rebelde e meio sem rumo na vida, observador sarcástico da mediocridade escolar, familiar... enfim...dá te pra sacar qual é a do livro, não? Mas o texto e ótimo. Estou na página 75 e, até agora, o belo namoro/amizade em tom de descoberta do autor/personagem com a fascinante Rosie tem sido uma bela descrição dos tormentos e da confusão do fim da adolescência. O engraçado da história é que o personagem parece ter mais ou menos a mesma idade que eu. Percebi isso quando ele fala sobre a Copa do México, em 1986. Ele e seus amigos brincavam de futebol e torciam pelo Maradona. É mais ou menos a mesma fase que eu vivi, tirando, é claro, o fato do cara ser holandês e eu ser brasileiro. Era impossível um garoto brasileiro de 13 anos, em 1986, torcer para a Argentina. Até nos impressionávamos com a categoria de Maradona. Mas torcer? Jamais. E nem precisávamos. A Holanda não se classificou para a Copa de 86. Já o Brasil estava entre os favoritos. E apesar de já não ser o futebol fantástico de 82, ainda estavam lá Sócrates, Zico, Careca, Falcão, além do mestre Telê. 86 foi a Copa do Maradona. Mas foi também a do maluco e genial Josimar com seus dois golaços assombrosos nos seus dois primeiros jogos com a camisa de seleção. Teve o drama do Zico e o pênalti perdido, que só deu um tom dramático e épico para a coisa toda. Para um são-paulino como eu, era muito mais envolvente do que essa bosta de Copa superfaturada de 2014. Tínhamos Careca, Silas, Müller, Sidney, Oscar e Falcão entre os convocados. Não lembro se o goleiro Gilmar foi para a Copa. Ainda tinha o divino Dario Pereyra na seleção do Uruguai. Nem vou falar dos injustiçados Zé Teodoro e Nelsinho, ótimos laterais que ganharam uma porrada de títulos com o tricolor e tiveram poucas chances na seleção. Não é à toa que o clube foi campeão brasileiro naquele ano. Era outro espporte. Nós torcíamos de verdade. O futebol não era essa merda pastosa exclusivamente midiática. E escrevo isso com a TV ligada no jogo do Brasil com a Inglaterra, inaugurando o superfaturado e sem charme “novo Maracanã”, sob a baba dos vermes Galvão Bueno e Ronaldo Gordo. Torcíamos com sinceridade. Os clubes tinham seus estádios ( a maioria deles), sua identidade, seus ídolos. A seleção, às vezes, desagradava. Mas, de modo geral, representava o torcedor. Era outro mundo. Para se ter uma ideia, o time da moda de hoje, que é apoiado pelo governo e está ganhando um estádio feito com dinheiro público e isenção fiscal nunca tinha ganho sequer um título nacional. Em “Amsterdã Blues”, até agora, o autor não falou de música. Mas em 1986 eu adorava Kiss, Iron Maiden, Black Sabbath, AC/DC. E vinham chegando Metallica, Slayer e outros. Curtir som pesado era quase heroico. Poucos discos lançados, com exceção das grandes bandas dos anos 70, e nada de camisetas e adereços que hoje são facilmente encontrados por aí. Eu ia a São Paulo para comprar discos. Esqueça o youtube. Clipes só no lendário Som Pop da TV Cultura. Vibrávamos a cada exibição de “Run to the Hills”, “I Love it Loud” e outros clássicos. Ver imagens do Metallica na TV, somente na época do “And Justice for All”, quando a banda começou a ficar desinteressante. Era difícil. E era legal pra caralho. Gostar de rock exigia doação, interesse, empenho. Por isso tudo, eu, velho e rabugento, me permito torcer contra a seleção da CBF e desejar que a tal da Copa seja um grande fiasco. Além disso, ainda fico puto quando vejo neguinho que se acha professor de roquenrou só porque tem uma camiseta do Ramones colocar no feicibuqui que tem um som do Charlie Brown Jr. ou do tal de Tijuana ou Detonautas que eu tenho que ouvir pra saber o que é um bom rock!!Que vão todos à merda ou que comecem a ler. “Amsterdã Blues” já seria um bom começo.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Revendo “Cidade Oculta” ou por onde andam os japas?

Dia desses revi “Cidade Oculta”, dirigido por Chico Botelho, em 1986. Quase 30 anos depois do seu lançamento, não sei qual é o status que o filme desfruta entre os especialistas. O fato é que aqui em casa a produção é um “cult”, ou pelo menos é o que eu imagino que essa palavrinha metida a besta quer dizer. Acho a estética do filme é legal demais. A mistura de cinema noir, quadrinhos e rock´n roll me lembra tempos em que o underground paulistano era interessante pra caramba. A metrópole decadente, e aspirante a futurista, do terceiro mundo véio sem porteira. Ecos da “Chiclete com Banana”, do movimento punk em pleno vigor, da noite desvairada explodindo na pós-ditadura. Talvez por tudo isso “Cidade Oculta” sempre me faça lembrar de “Blade Runner” como se o filme brasileiro fosse um filhote vagabundo e demasiado humano da obra de Ridley Scott. As cenas noturnas às margens do Tietê podrão, as paisagens do centrão de São Paulo ou as tomadas do skyline da cidade ainda são belíssimas. Gosto especialmente de uma tomada rápida em que a câmera passa por soldados da cavalaria da PM, com seus capacetes de choque, cruzando as ruas do centro à noite. O elenco tem vários acertos. Apesar da interpretação meia-boca, é legal ver Arrigo Barnabé, com sua cara de Orson Welles, interpretando o anti-heroi Anjo ou Anjo-san como é chamado pelo seu ambíguo parceiro Japa, interpretado por Celso Saiki, figurinha que habita algum canto da minha memória dos anos 80, como um dos apresentadores dos Telecursos que a TV exibia pela manhã. Carla Camurati, deslumbrante, faz a fatalle Shirley Sombra. E como ela era gostosa! Carla Camurati nos seus 20 e poucos aninhos supera qualquer Uma Thurman da vida. Se acha absurdo o que eu digo, confira a performance da deusa na cama com o Anjo-san. Tem também o ótimo Claudio Mamberti como o delegado Ratão. As pontas são uma atração à parte. Tem Chiquinho Brandão, Itamar Assumpção, Beth Coelho (uma das dançarinas), Jô Soares (no tempo que ele ainda era legal) e sempre acho que vejo o Carlos Rennó numa cena de bar. A trilha sonora, assinada por Arrigo Barnabé, é de primeiríssima. Não faz muito tempo que arrematei esse vinilzão num sebo da Galeria. Mas já tive tudo gravado em alguma velha fitinha perdida. Destaque para “Pô, Amar é Importante”(Hermelino Neder); “Poema em Linha Reta” (Arrigo sobre Fernando Pessoa); “Mente Mente” (Robinson Borba), um dueto visceral entre Arrigo e Ney Matogrosso; “Pregador Maldito”, que surge no filme numa performance incrível da Patife Band. Aliás, encontrar o vinil “Corredor Polonês”, da Patife Band, é um dos meus objetivos musicais para 2013. Mas pra mim o tema “Cidade Oculta” é insuperável. Escrita por Roberto Riberti, Arrigo Barnabé e Eduardo Gudin, é uma espécie de valsa noir, futurista e decadente, e capta perfeitamente o espírito do filme. É uma canção que me faz ter vontade de saber tocar piano, só para poder interpretá-la. Há uma cena passada num karaokê da Liberdade, onde um japonês cabeludinho canta um tema meloso, na língua do Ultraman. O figura é Rui Mifune, ou Goemon, seu nome artístico. Nos anos 80, lançou no underground paulistano a fita-demo “Levemente Perverso”, com as faixas: “Meu pornô-filme”, “Junkies - vida bagaço”, “Superstar” e “Harumy tchans”. Parece que ele lançou um LP nos anos 90, com títulos como “Cachaça, Rock e Banchá”, “De Porrada em Porrada” e “Paola, Travesti”. Vale procurar por aí. Mifune é da geração do Lira Paulistana. Morou anos no Japão e lá produziu discos e antologias de vários artistas brasileiros. Tocou com Itamar Assumpção e outros músicos da cena paulistana. No blog do Luis Nassif descobri que ele morreu em 2012. Confira a cena do karaokê abaixo. Depois de rever o filme também fiquei curioso por saber mais sobre Celso Saiki, que faz o Japa. Como disse, me lembro dele por aí na TV da minha infância/adolescência. Dei um google e descobri que, além de ator, Celso foi autor e diretor teatral , fundador do Grupo Ponkã, e diretor de vários episódios de Bambalalão, da TV Cultura. Ganhou prêmios teatrais e dirigiu espetáculos estrelados por Guilherme Karan, Luisa Tomé e Clodovil. No cinema também participou de “Gaijin”, de Tizuka Yamasaki. Morreu em decorrência da Aids, em 1994. O personagem Japa é um dos mais interessantes de “Cidade Oculta” e a interpretação de Celso é bem legal. Pra encerrar deixo uma versão de “Cidade Oculta”, com Arrigo ao piano. Antes de tocar ele fala um pouco da trilha sonora e rola um pequeno clip do filme.