quarta-feira, 18 de maio de 2011

Grinderman II no talo


Em algum momento distante dos anos 80 minha mãe me presenteou com uma assinatura da revista Bizz. Na época eu era um fã de metal, punk rock, hardcore e todo o som que soasse minimamente violento nas caixas de som. Tocava bateria toscamente numa banda chamada “Podridão”. Além de covers de Cólera, Garotos Podres, Replicantes e Nuclear Assault, tocávamos nossas próprias pérolas de rebeldia juvenil. Me lembro de uma que começava assim “Mundo, te odeio/Mundo, não te quero/ Mundo, de você nada mais espero”. O título absolutamente criativo da canção não poderia ser outro: “Mundo Imundo”.
Pois bem, dito isso, já deu pra sacar que naquela época eu detestei receber em casa uma Bizz com o Cazuza, ainda na fase pré-Aids, na capa. Se não me falha a memória esse número da Bizz tinha matérias com Smiths, Echo and the Bunnymen e a então revelação Ed Motta, hoje considerado o irmão mais gordo e chique do Bolsnaro.
Do que eu me lembro com certeza foi que esse número da revista trazia uma matéria com um tal de Nick Cave, de quem eu nunca tinha ouvido falar. Fui ouvir o som do cara algum tempo depois, mas me lembro de ter ficado impressionado com o que a matéria dizia. O cara era um australiano maluco que misturava o que havia de mais lúgubre no blues americano, com distorções pós-punk e letras carregadas de imagens que misturavam religião, crime, amor, morte, violência. Lembro que a reportagem também mencionava o fato de Cave ter lançado um livro com o espetacular título de “And the ass saw the angel”.
Depois da matéria da Bizz fiquei curioso pra conhecer o trabalho do cara. Havia música sobre violência, religião e morte fora dos gêneros mais porradas que eu adorava ouvir? Não me lembro exatamente quando fui ouvir o som de Nick Cave, mas aquela matéria da Bizz, assim como a tal assinatura da revista, ajudou a ampliar meus horizontes musicais para outros gêneros de rock.
Tenho em vinil, os clássicos “Tender Prey” e “The Good Son”. Em CD tenho o “Kicking Against the Pricks”, “Live Seeds” e “Murder Ballads”. Também lembro de ter visto “Asas do Desejo” , do Wim Wenders, no cinema. No filme rola um trecho de um show do Nick Cave.
Gosto do som do cara pra caralho e o mais impressionante é que ele continua mandando muito bem. O primeiro disco da sua nova banda, o Grinderman, é do caralho. Depois, Cave gravou mais um solo intitulado “Dig Lazarus! Dig” que também é excelente. De quebra lançou o romance “A Morte de Bunny Munro” que é desses livros que você devora em dois dias de tão legal.
No ano passado saiu o segundo disco do Grinderman e é Nick Cave de novo. Da melhor cepa. Além de várias músicas legais, recheadas de humor negro , romantismo trágico, imagens estranhas e paisagens sonoras pesadas, o disco traz pelo menos um clássico instantâneo. “Palaces of Montezuma” é desses petardos que te fazem acelerar mais quando ouvida no som do carro. Ouça a canção, preste atenção na letra e me diga se não é a maior canção de amor que alguém lançou nos últimos dez anos.
Mas todas as faixas são legais. O guitarrista Warren Ellis definiu o som como um encontro entre o stoner rock e Sly Stone. É pesado, é psicodélico, é ousado, a capa é demais e enfim... Nick Cave é muito foda. Por que ninguém traz esses caras pra Sampa? Pare de ler esse texto ruim e veja o vídeo abaixo com o som no talo. Rock`n roll can never die.

domingo, 8 de maio de 2011

Outras estradas de Kerouac


Acabo de ler “Anjos da Desolação”, de Jack Kerouac, lançado no Brasil pela L&PM. O começo do livro é um pouco difícil, como se nos contaminássemos com o desconforto do autor em sua cabana isolada nas montanhas, onde trabalhou como vigia de incêndios. Sob o pretexto de refletir, vivenciar a experiência da solidão, Kerouac parece nervoso como se calafrios lhe oprimissem a medula. É desconforto, mais do que reflexão. É como se seu olhar, aparentemente cansado de chão, também tivesse dificuldades para encarar o turbilhão interno.
O poeta desce da montanha e cai na estrada e o livro também cresce. Kerouac volta a viajar pela América mítica, depois México, Tânger, Paris até a volta a Nova Iorque. E aí vai apresentando as histórias que queremos ler de suas aventuras ao lado de Ginsberg, Corso, Burroughs, Neal Cassidy, suas mulheres e outras figuras da época. Viagens de poetas que mastigavam a vida com dentes vorazes e hoje nos soam muito românticas.
“O mistério corria pelas ruas em chamas” mas o autor começa da dar sinais de cansaço, falando em se proteger do caos da sua vida estradeira. Começa a desejar um pijama, uma varanda, silêncio em manhãs frias com a mesma sofreguidão de seu apetite por caminhos desconhecidos.
Nunca fui um grande leitor de Kerouac. Li “On the Road” mil anos atrás, alguns textos esparsos e, mais recentemente, “E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques” e “Visões de Cody”. Do que eu li, foi o texto em que ele escreve mais diretamente sobre o isolamento em que se meteria até o final da vida, longe dos velhos companheiros de labaredas memoráveis.
O texto livre de Kerouac é sempre interessante e algumas passagens das viagens são fantásticas. Vale a pena, de qualquer maneira. Como sempre, estrada, amor e poesia. No que isso tem de prazeroso e perturbador.

domingo, 1 de maio de 2011

Wendy, Wendy


Eu, esquecido no sonho
Imaginando onde sua loucura realmente se esconde
Você, fora da minha estrada
Arranca amor dessa procura

Juntos, cegos, andamos na cidade congestionada
Queremos a glória das mansões que queimaram
Nascemos presos a máquinas de suicídio
Fugimos para caçar névoas, praias, ossos e navalhas
Jovens vagabundos derrotados por armadilhas de veludo
Crianças, sem pensar na sujeira da noite,
Tentamos outro negro alvorecer
Fugindo da tristeza