sábado, 28 de fevereiro de 2009

Matei a Ivete e fui ao cinema

Agora, na tranquilidade calorenta da minha casa, ouvindo o Heavy Trash, novo projeto do Jon Spencer, posso comemorar ter passado todo o carnaval sem praticamente ter visto as feições equinas da Ivete Sangalo na TV. Não é sacanagem... sempre achei que ela parece uma égua dessas de exposição... sem sacanagem... pra mim a associação é imediata. Bom... opiniões fisionômicas à parte, não ver Ivete Sangalo também indica não ouvir sua música detestável. Escapei de ficar entediado vendo escolas de samba e trios elétricos desfilando.
Em vez disso, o Carnaval foi aproveitado com dois filmaços: “O Lutador”, de Darren Aronofsky, com o Mickey Rourke e a Marisa Tomei e “Rio Congelado”, de Courtney Hunt, com Melissa Leo.
“O Lutador” foi especial por vários motivos. O mais óbvio é a presença de Mickey Rourke, o cara que fez “Rumble Fish” e “Coração Satânico” e foi aos infernos, assim como seu personagem no filme de Alan Parker. Ele está estupendo no papel de Randy, “the ram”, um decadente lutador de tele catch que briga contra o tempo, a solidão e a falta de grana. Com pouco tempo de projeção percebemos que Randy é um cara legal e que sua batalha está perdida. Talvez daí a beleza triste e digna de sua luta.



Algumas cenas são antológicas, como sua caminhada pelos fundos do supermercado em que faz bicos e sua entrada na área de frios, como se fosse o trajeto dos camarins até o ringue, onde o público o espera delirante e reverente e não como a realidade mostra, impaciente pedindo a maionese. A cena em que Rourke e Marisa Tomei relembram o apogeu do metal farofa nos anos 80 e detonam Kurt Cobain também é ótima.
Marisa Tomei, mais bonita do que nunca, aos 44 anos, faz a stripper em fim de carreira por quem Ryan se apaixona. Quando os dois estão juntos em cena há uma beleza e um desconforto de saber que as duas almas enjeitadas poderiam se ajudar, mas os limites já foram ultrapassados e o encontro definitivo não vai ocorrer. Embora não seja o motivo central do filme, é uma das mais belas histórias de amor que vi no cinema nos últimos tempos.
Mas o filme é mesmo de Rourke. Há um certo momento, no último encontro com a filha em que seu olhar expressa a percepção de que não tem mais retorno, resta seguir em frente até o último round. É de arrepiar. O final é maravilhoso. Filmaço.
O “Rio Congelado” é mais duro, mais foda e igualmente imperdível. É basicamente uma história sobre maternidade e a força das mulheres. A personagem de Melissa Leo, abandonada pelo marido viciado em jogos de azar, lutando para criar seus filhos de 5 e 15 anos é fascinante. Tira forças não se sabe de onde para conseguir trazer um pouco de conforto aos garotos, mesmo sacrificando seus valores e sua liberdade.



Sua parceira nos caminhos tortos é uma índia, também uma mãe que sonha em ter seu filho de volta. No fim da tensa jornada das duas, Melissa Leo será também a mãe da índia. Um filme que só poderia ser dirigido por uma mulher. O surpreendente é que essa mulher, Courtney Hunt, é uma estreante. Promissora. Fez um filme fudido, imperdível e humano demais.
Mais que perfeitos antídotos contra samba ruim, axé music e celebridades são filmes que vão ficar.
Aí vão fotinhos do Rourke voando nos ringues e de Melissa Leo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Trechos de Borges – dos contos de “O Aleph”

“... a lua tinha a mesma cor da areia infinita”.

“No sétimo século de Hégira, no arrabalde de Bulaq, transcrevi com pausada caligrafia, num idioma que esqueci, num alfabeto que ignoro, as sete viagens de Simbad e a história da Cidade de Bronze.”

“O sol da manhã rebrilhou na espada de bronze. Já não restava qualquer vestígio de sangue”.

“Olho a minha face no espelho para saber quem sou, para saber como me portarei dentro de algumas horas, quando me defrontar com o fim. Minha carne pode ter medo; eu não tenho!”

“Não há homem que não aspire à plenitude, quer dizer, à soma de experiências de que um homem é capaz; não há homem que não tema ser lesado em alguma parte deste patrimônio infinito”.

“O importante é que reine a violência. Não a servil timidez cristã.”

“O medo do grosseiramente infinito, do mero espaço, da mera matéria tocou Averróis por um instante. Olhou o simétrico jardim; sentiu-se envelhecido, inútil, irreal”.

“Nos velórios, o progresso da decomposição faz com que o morto recupere suas faces anteriores. Em algum momento da confusa noite do dia seis, Teodelina Villar foi magicamente a que fora há vinte anos; seus traços recobraram a autoridade imposta pelo orgulho, pelo dinheiro, pela juventude, pela consciência de coroar uma hierarquia, pela falta de imaginação, pelas limitações, pela estupidez. Pensei mais ou menos assim: nenhuma versão dessa face que tanto me inquietou será tão memorável como esta; convém que seja a última, já que pode ser a primeira. Deixei-a rígida entre as flores, seu desdém aperfeiçoado pela morte. Seriam duas da manhã quando saí. Fora, as previstas fileiras de casas baixas e de casas de um pavimento tomaram o ar abstrato que costumam tomar à noite, quando a sombra e o silêncio as simplificam. Ébrio de uma piedade quase impessoal, caminhei pelas ruas”.

“Não se pode contar como era essa casa, que mais parecia um só quarto, com filas de armários ou balcões, uns sobre os outros. Nessas cavidades havia gente comendo e bebendo, e também no chão, e também num terraço. As pessoas desse terraço tocavam tambor e alaúde, menos umas quinze ou vinte (com máscaras vermelhas) que rezavam, cantavam e dialogavam. Estavam presas, e ninguém via o cárcere; cavalgavam, mas não se percebia o cavalo; combatiam, mas as espadas eram de cana; morriam e logo estavam de pé”.

“Um homem se confunde, gradualmente, com a forma de seu destino; um homem é, afinal, suas circunstâncias.”

“A confusão e a maravilha são atitudes próprias de Deus e não dos homens”.

“Compreendi que o trabalho do poeta não estava na poesia; estava na invenção de razões para que a poesia fosse admirável”.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Vi o Ensaio


Finalmente assisti o “Ensaio sobre a Cegueira” do Fernando Meirelles. Gostei muito do filme. Não li o livro do Saramago, mas imagino que a pedrada que é o filme seja fiel às intenções do texto do mestre português. Nada de comparar o filme ao livro, cinema é uma linguagem, literatura é outra. O importante é que o filme é bom.
O elenco é ótimo e Julianne Moore, sempre citada como uma das grandes atrizes norte-americanas da atualidade, tem uma atuação maiúscula. Os coadjuvantes, como Danny Glover, Alice Braga, Gael Garcia Bernal também mandam muito bem. Até o xaropinho indie Mark Rufallo está suportável.
Mas, apesar do talento do elenco, o filme é do diretor. Tenso, denso, com uma fotografia sofisticada e inusitada para os padrões hollywoodianos, o filme provoca um incômodo e uma angústia, estranhos ao gosto do público médio. A sequência do estupro coletivo é particularmente aflitiva.
Meirelles também usa a trilha sonora, composta pelo grupo Uakti, de uma maneira inteligente, sem recorrer a soluções fáceis para criar climas.
Sem falar no inusitado de ver a cidade de São Paulo abandonada em estado de caos total, bem... pelo menos um caos diferente (e muito mais intenso) do que estamos acostumados.
Apesar de Fernando Meirelles e da ação se passar em São Paulo não dá pra dizer que é um filme brasileiro. Da mesma forma, “Ensaio...” não pode ser classificado como um drama hollywoodiano comum. Talvez por isso tenha tido uma trajetória de estranho no ninho dividindo crítica e público. O filme ficou de fora das principais premiações do cinema internacional, mas recebeu as lágrimas e os elogios de José Saramago, o que para o diretor deve ter valido uma caralhada de oscars, palmas, leões e outros bichos...

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Borges novamente pela primeira vez



Acabei de ler “O Aleph” de Jorge Luis Borges. A única coisa que tinha lido dele é “A História Universal da Infâmia”, quando eu tinha uns 14 ou 15 anos de idade. Lembro que gostei, achei delirante e tal. Mas reler Borges agora foi como encontrar o autor pela primeira vez.
Dá pra perceber que há todo um universo por trás de sua literatura, composto por um conhecimento histórico e uma cultura geral quase absurdas (sei que Borges era leitor de enciclopédias, estudioso de etimologia e dizia que imaginava o paraíso como uma espécie de biblioteca) e uma capacidade de adaptar personagens de tempos e lugares distantes às mais diversas situações fantásticas. Vários dos contos do Aleph começam definindo a época e o lugar onde a ação inicia, o que causa uma sensação de “era uma vez”, remetendo a histórias contadas pelos mais velhos numa noite de conversa.
Além dos temas fantásticos, Borges gosta de tratar do universo dos pampas, como uma verdadeira mitologia gaúcha, tema que me agrada particularmente. Nesse sentido, o conto “O Morto” me impressionou bastante.
O livro todo é muito interessante. Apesar de ler uma tradução, a abordagem inusitada dos temas e a delicadeza de ourives no trato com as palavras me impressionaram bastante. A cada parágrafo, o autor encontra soluções poéticas de beleza simples, que tornam suas descrições (os textos são sempre bastante descritivos) impressionantes e fazem querer reler parágrafos a todo momento.
Acho que o conto que mais me impressionou foi “A Casa de Asterion”, a sina da besta feroz e inocente contada de uma maneira totalmente inusitada. Parece um poema em prosa. É duro e é fascinante como são as sinas. Confesso que me emocionei lendo, de um modo que há tempos não acontecia. Talvez desde que o meu irmãozinho Pedro me emprestou o “Lavoura Arcaica” do Raduan Nassar. Uma pena o Pedro não estar por perto. Valia a pena uma leitura conjunta de “A Casa de Asterion” e de vários outros contos de “O Aleph”.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Sobre domingos e catecismos

Hoje, eu estava sozinho num café, uma menina passou e não me olhou. Imediatamente passei a questionar as virtudes que os cristãos dizem estar ligadas à pobreza. É claro que se eu fosse rico ela me olharia. Mas como ela saberia da minha riqueza apenas me olhando largado numa mesa do café? Não tenho a menor idéia, mas ela saberia. Eu sempre sei que alguém tem grana. Pelas roupas, pelos gestos, o queixo alto. E, lógico, se eu fosse rico não estaria num café tão furreba.
Amanhã é segunda e a merda continua. Parece que meu sono nunca é suficiente e acordo sempre praguejando. Saio pra trabalhar e o frio das manhãs quase melhora meu humor.
Meia hora de ônibus e estou no escritório onde a merda continua. Penso em largar tudo e ser faquir na Praça da Sé, como num filme do Zé do Caixão que vi dia desses. Já até imaginei alguns números originais, afinal, cama de pregos já não impressiona ninguém. Pensei em arrancar meus dentes sem anestesia. Depois de estar totalmente banguela eu morderia uma gilete. As lâminas penetrando nas gengivas vazias de dentes. Um sucesso absoluto.
O pior desses dias é não ter a quem procurar. Estou vulnerável. Chego a ter dó da próxima mulher que me der bola, se houver alguma. Eu me agarrarei a suas pernas e não a deixarei andar sem mim. Me apaixonarei e serei o cara mais pegajoso da face da terra.
Provavelmente eu a seqüestre e leve para uma cabana em um lugar ermo. E ficaremos trepando no tapete da sala de manhã até a noite. E só comeremos chicletes e só beberemos nosso suor e só ouviremos os malditos pássaros e nossos gemidos. Não falaremos.
Isso é o que eu fico imaginando e me tira o sono. Na verdade, falta grana, falta saco, televisão me aborrece e enjoei dos meus discos. Não leio mais jornal, mas também não consigo ficar totalmente indiferente. Tento me convencer de que tudo é normal hoje em dia. As chacinas, as cagadas da polícia, as guerras, os políticos e as celebridades. Nem sempre funciona. Um restinho de raiva insiste em deixar um amargor na boca. E, para piorar, a garota gordinha do prédio da frente não trepa nem se troca mais de janela aberta desde que o outono chegou.
O pior é o que chamo de efeito montanha-russa. As oscilações. Ou seja, os dias em que alguma coisa em mim resolve soterrar esse tédio. Aí sinto desejos incontroláveis de mudar. Ser demoníaco, sensual, preguiçoso, arrogante, irônico e exibicionista. Uma vontade de ser expulso do Jardim do Éden ou de, pelo menos, dar um peido barulhento em frente da minha chefe chique com seus lenços coloridos no pescoço.
É tipo uma vontade de ser jovem e inconsequente para sempre. Um James Dean capaz de dirigir melhor. Afinal, não quero morrer cedo. Prefiro ficar num pedestal, adorado em vida com meus cabelos dourados, olhos azuis, pele clara, boca vermelha. Uma espécie de Helmut Berger fazendo papel de amante da condessa louca e sanguinária de cabelos verdes e corpo perfeito.
Queria andar na chuva, matar dragões de neon e comer com os pés em cima da mesa. Tudo para horrorizar os homens de virtude, as mulheres de berço e as meninas de família. Queria acumular segredos inconfessáveis, daqueles capazes de terminar amizades. Fazer e falar coisas absurdas. Ser poeta sem precisar das palavras. Ser Alexandre o grande. Ser um faraó. Temido, mítico, aclamado. Queria ser o Lou Reed. Um fauno.
Mas a vida é estranha, os muros são altos e eu viajo demais. Daí esse sufoco passa e não faço porra nenhuma. A montanha russa volta para o trecho mais seguro e eu para meu estado normal de inanição. Não sorrio, não agradeço, quero que se fodam.
As manhãs de domingo são mais interessantes. Durmo um pouco mais. O barulho do trânsito é menor. Acordo e vou comer pastel na feira, onde a garotinha japonesa sorri quando eu peço a pimenta. Talvez ela ria da minha cara de sono. Talvez ela ria pra todo mundo.
Quando vou à feira passo em frente à igreja do bairro e tem sempre muita gente saindo da missa. Muitas ovelhinhas agradecendo a Deus ou pedindo coisas. Deve ser enfadonho para Deus, enquanto coça seu saco celeste, ficar ouvindo as ladainhas e os hinos dos carolas “anunciando o amor que vem do céu e na terra se faz alma e cor”. Havia um hino assim quando eu era criança e fiz catecismo.
Depois aprendi um sentido mais interessante que os moleques davam à palavra catecismo. Era como a molecada da rua chamava as revistinhas de sacanagem. Aquelas pequenininhas, tipo fotonovelas. “Agora, Elvira... goza junto comigo”. Lembro de uma dessas em que a mulher se chamava Elvira. Juro por Deus e por todos os catecismos. Era uma loira americana, dessas que os carolas insultariam e apedrejariam. Porra... e chamada Elvira!
Também sempre compro laranjas na feira e mais algumas frutas. Já as tardes de domingo são horríveis. Ouvindo futebol no rádio, assistindo algum filme alugado e chupando laranjas. A sensação de tempo perdido é indescritível e insuportável.
E sigo vegetando até a madrugada. Até a hora dos filmes ruins e dos programas que ninguém vê. De vez em quando, para pegar no sono, fico lendo um velho dicionário de bolso que era da minha mãe. Às vezes até me divirto assim.
Aprendo palavras inúteis como “arconte”, o magistrado na Grécia antiga. Descubro que “beiju” é um bolinho de mandioca; que “mangabeira” é uma árvore frutífera. Também li que “sicário” é um assassino assalariado. Taí um emprego tão bom quanto o de faquir na Praça da Sé.
Agora abro outra página do dicionário e leio os significados da palavra “negror”. Esta lá: 1. negrume; 2. escuridão, negrura, negridão; 3. nevoeiro espesso; 4. tristeza, melancolia.
Apago a luz e, mais uma vez, não durmo com os anjos.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Arqueologia

In the heart of the saturday night (ouvindo Tom Waits) – outubro de 1996

No coração das noites de sábado
As meninas dançam,
O fogo queima nas bocas,
E o tempo voa para os corpos.

Há sempre a urgência
Do órgão pulsante
Pelo próximo toque.
Quem sabe a redenção na próxima esquina,
No próximo bar.
Leves, os ombros nus e a noite imensa
Esmagam meu coração.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Aventuras radiofônicas


Eu no estúdio e a Luana na técnica tirando clássicos do fundo do baú. Nesta semana farei um especial sobre o Lupicínio Rodrigues, o homem que conhece todas as formas da dor-de-cotovelo.