quarta-feira, 13 de julho de 2011

Os infernos rock´n roll de Mario Bortolotto


Quem nunca na vida quis tocar numa banda de rock? Acho que esse desejo coletivo explica o sucesso do “air guitar”, provavelmente um dos esportes mais praticados no mundo e, sem sombra de dúvidas, o número 1 aqui em casa.
O ator e dramaturgo Mario Bortolotto gosta de música. Ele canta em duas bandas muito legais, a Tempo Instável e a Saco de Ratos. Mas o gosto pelo rock´n roll e o blues vai além. A música está muito presente em sua literatura também. Arrisco-me a dizer que se alguém definir Bortolotto como um “escritor rock`n roll” ele vai curtir ou, pelo menos, não vai ficar puto.
Em “DJ – Canções pra tocar no inferno”, o bluesman escritor dá uma de DJ literário e solta sua seleção de contos baseados em canções, algumas clássicas e outras obscuras, de gente como Ray Charles, John Lennon, AC/DC, George Thorogood e ...Ivan Lins. Sim...o integrante da trinca de chatos mais notória da MPB (com Guilherme Arantes e Oswaldo Montenegro – e o tal de Marcelo Camelo louco pra fazer parte) também teve uma música que virou conto. Como se deduz desse set list, além de visitar os infernos do submundo, da solidão e da miséria humana, Bortolotto não dispensa o humor nas pequenas narrativas.
Como em outros textos do autor, a força dos diálogos chama a atenção. Em “Stand By Me”, eles ressaltam o nonsense de uma cena pós-estupro. No delicioso “I Drink Alone” parece que dá pra ver o próprio Bortolotto aprisionado em um pesadelo com mauricinhos e patricinhas numa “baladinha” na Vila Madalena. Agora imagine uma mesa de bar no além, com Leminski e Itamar Assumpção batendo papo até a chegada de um verborrágico Wally Salomão em “Knockin on Heaven´s Door”. “Given the Dog a Bone” também está entre os mais engraçados.
Não sei se viajei demais na minha leitura, mas o humor, que sempre foi uma marca do autor, parece mais presente ou, de alguma forma, mais solto nos textos mais novos. A escória, o refugo das cidades, os amargurados e solitários estão lá. Mas de alguma maneira estão mais à vontade, menos armados do que acontece com os personagens de textos como “Homens, santos e desertores”, peça escrita em 2002. Isso não quer dizer concessão a nada. Talvez seja apenas um apreço maior pela comicidade, pelo absurdo.
E em meio ao turbilhão rock´n roll de Bortolotto surge um zumbido de algo novo na trilogia “O Evangelho segundo Madalena”. A ambientação dos textos nos bastidores de um time de futebol pequeno do Rio de Janeiro nos anos 50 soa incomum. Mas Bortolotto se sai muito bem, mostrando um dos aspectos que me atraem no seu trabalho (e na literatura em geral) que é dar voz, sentimentos e idéias a vidas aparentemente insignificantes. Li pela net que alguém comparou os “Evangelhos” a Rubem Fonseca da fase “A Coleira do Cão” e Bortolotto não apenas não negou como revelou ter lido tudo do mestre carioca.
Mas é o Bortolotto de sempre, em textos recheados de referências pop, com os absurdos, as dores, os amores, e todas as ocorrências repugnantes ou engraçadas, redentoras ou desvairadas que alimentam o brilho falso nos olhos dos homens. Dá pra ler inteiro numa madrugada insone. Como um bom disco de rock.
Escrito ao som de “Secret, Profane or Sugar Cane”, de Elvis Costello.