segunda-feira, 15 de novembro de 2010



lembranças de momentos felizes
doem tanto
quanto as cicatrizes

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Meus problemas com a bebida



Poema de Mário Bortolotto. Está em seu último livro "Um bom lugar para morrer", que anda habitando minha cabeceira nesses tempos.

ela me dizia que eu tinha problemas com a bebida
me dizia isso enquanto andava atrás de mim no supermercado
eu escolhia um vinho pra beber no jantar
na verdade eu tava indeciso entre um vinho e um conhaque
na dúvida levei logo os dois
e uma caixa de cervejas pra depois do jantar
e ela continuava falando rispidamente comigo
eu me sentia dentro de uma música do Bruce Springsteen
ela falava algo sobre viver e morrer como um perdedor
eu disse: "Que merda cê tá falando?"
ela fazia ballet e andava daquele jeito empinado que me
deixava ainda mais oprimido
havia muita raiva naquela mulher
e a raiva te deixa com dificuldade de se expressar
e eu só precisava de um drink
abri o conhaque na fila do caixa e dei um gole
"Era sobre isso que eu estava falando."
"O que?"
"O seu problema com a bebida."
"Eu não diria que é um problema. A bebida me ajuda nos momentos difíceis".
"E esse é um deles?"
"Eu não estou muito à vontade."
entrei no carro e abri logo uma cerveja
"Vai continuar negando que tem problemas com a bebida?"
"Olha, eu não tenho problema nenhum com ela. Às vezes,
quando bebo, eu arrumo mais problemas, só isso."
nós saímos do estacionamento do supermercado e elacontinuava falando comigo daquele jeito intolerável e pensei em meter o carro num poste ou algo do tipo, mas eu ainda não havia bebido o suficiente.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A morte de Bunny Munro


O australiano Nick Cave é uma das figuras mais interessantes surgidas nos anos 80. Seu som, ora vibrante ora melancólico, trazia cargas de Velvet Underground, punk rock e o blues mais profundo das estradas desoladas de uma América imaginária. Suas letras passeiam por temas como crimes, presságios, religião, culpa, pecado, redenção, sofrimento e delírios místicos de todas as espécies.
Em “A Morte de Bunny Munro”, seu segundo romance, editado no Brasil pela Record, há um pouco de tudo isso. E também há o humor negro frequentemente utilizado por Cave. A novidade é que no livro há sexo em várias modalidades: amargo, caótico, trágico e outros.
Bunny Munro, o personagem principal, é um vendedor de produtos de beleza que não perdoa nada que pareça vagamente feminino. Qualquer breve diálogo com uma cliente ou a visão de uma garota, que nem precisa ser bonita, desperta o monstro insaciável que descansa em suas cuecas de oncinha.
E Bunny segue pela vida tentando comer todo mundo, sonhando com as vaginas milionárias e bem tratadas de Avril Lavigne e Kylie Minogue, até que sua mulher Libby, cansada da solidão e do desprezo do marido coloca um fim na própria vida.
Sobra para nosso priáprico herói cuidar de Bunny Jr., o filho de nove anos sensível e inteligente, e fugir dos fantasmas que agora assombram sua mente doentia, enquanto tenta continuar a foder qualquer coisa que aceite receber o seu pau.
A lenta desintegração mental de Bunny é uma tragédia com cara de road movie com final épico e redentor. É um romance. Mas poderia ser uma balada estrondosa de Nick Cave ao piano. Daquelas que retratam os condenados debatendo-se nas jaulas do destino.
Passeie com Bunny Munro:

“Bunny acena para uma esportista de iPod e malha de lycra anti-impacto que talvez acene de volta; uma negra saltitando pelos gramados em um Pogobol amarelo; uma colegial seminua com um chupão do tamanho de um biscoito na base da coluna que acaba se revelando uma tatuagem maravilhosamente linda de um laço ou de um arco e flecha.
- Já veio embrulhada pra presente? – grita Bunny. – Nem acredito! – Em seguida assobia para uma garota completamente nua e totalmente depilada, mas que, após olhar mais de perto, Bunny percebe estar usando um fio dental cor de pele tão anatomicamente integrado ao seu corpo quanto a pele de uma lingüiça; ele acena para um trio de deusas coxudas que usam botas Ugg e brincam de jogar vôlei com uma enorme bola laranja e azul (elas acenam de volta em câmera lenta). Bunny buzina para um casal de sapatas surpreendentemente gostosas, que lhe mostram o dedo médio, ao que ele ri e as imagina se comendo com paus de plástico amarrados na cintura; depois, vê uma garota de tranças e joelhos virados para dentro lambendo um pirulito listrado azul e vermelho; uma menina usando algo indefinível que dá a impressão de que ela vestiu a pele de uma truta arco-íris; em seguida, vê uma babá, ou algo do gênero, se inclinando sobre um carrinho de bebê e a bela marca de sua calcinha, o que o faz soprar ar por entre os dentes e socar a buzina. Por fim, nota uma secretária ossuda de aparência desolada com uma blusa que diz “GUINCHE COMO UM PORCO” e carregando um enorme pênis inflável. Bunny confere o relógio, reflete por um momento, mas segue em frente. Vê uma garota esquisita, usando um véu e um biquíni com anquinha estilo vitoriana, depois acena para uma junkie bonitinha bem parecida com Avril Lavigne (o mesmo delineador preto os olhos) sentada em uma pilha de revistas Big Issue na soleira dos hotéis Embassy, que estão caindo aos pedaços. Ela se levanta e anda trôpega na direção dele, esquelética, com dentes gigantes e olheiras pretas sob os olhos, como um panda, e então Bunny percebe que ela não é uma gatinha junkie, e sim uma famosa supermodelo no auge do sucesso cujo nome ele não consegue lembrar, o que faz sua ereção saltar na cueca, mas quando a vê mais de perto ele descobre que é, de fato, uma gatinha junkie e segue em frente, embora qulaquer um que goste desse tipo de coisa saiba, mais do que qualquer outra coisa no mundo, que junkies são as melhores boqueteiras ( e as putinhas viciadas em crack as piores). Bunny liga o rádio e “Spinning Around”, o hit de Kylie Minogue começa a tocar, e ele não consegue acreditar na própria sorte e sente uma onda de alegria quase ilimitada à medida que os sintetizadores pesados e provocantes começam a sair das caixas e Kylie vocifera seu panegírico orgiástico à sodomia e El pensa no short dourado e apertadinho dela, aquelas esferas cor de ouro, e isso o lembra de estar comendo a bunda grande e pálida de River, a garçonete, lá no quarto de hotel, com a barriga cheia de salsichas e ovos, e então começa a cantar junto com o rádio e a música parece estar saindo de todas as janelas de todos os carros do mundo, e a batida pulsa forte pra caralho. Então ele vê um grupo de ratas de shopping atarracadas com suas barrigas sensuais e seus batons cintilantes; uma garota árabe em burca completa potencialmente gostosa (puta merda, lábios da Arábia); e então um outdoor anunciando sutiãs Wonderbra ou algo do gênero e diz “Uhu!”, dando uma guinada perigosa no volante enquanto aperta a buzina, voltando para a Forth Avenue e já desenroscando a tampa de uma amostra de creme para as mãos. Ele estaciona e bate uma punheta, com um sorriso grande e feliz no rosto, gozando em cima da meia incrustada de porra que mantém debaixo do banco do carro.
- Ah! – exclama Bunny, e o DJ no rádio está dizendo: “Kylie Minogue; quem não adora aquele short apertadinho?!” E Bunny diz: - É isso aí! – Manobrando o Punto na direção do tráfego e guiando os dez minutos que o saparam do seu flat na Grayson Court, em Portsland,ainda sorrindo e gargalhando e se perguntando se sua mulher Libby vai estar a fim quando ele chegar em casa".

sábado, 2 de outubro de 2010

Astral Weeks


Bailarinas no canteiro da avenida principal. Sol de outono, poças d`água e um cigarro filado. Violinos flutuam nas retinas. Um adeus no bolso do casaco. Peito e mente límpidos e doloridos. Como um solo de trumpete.

Trilha sonora: "O Pássaro", de Lanny Gordin.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Comendo ópio com sal


Ando empacado na leitura de “Confissões de um Comedor de Ópio”, de Thomas De Quincey, na edição da coleção “Intoxicações” lançada pela Ediouro. Tenho trabalhado muito e sobra pouco tempo pra ler. Além disso, “Confissões” não é uma leitura das mais fáceis. Nas primeiras duzentas páginas do livro o autor narra episódios de sua infância e adolescência, às vezes com longas digressões sobre temas que hoje não nos parecem tão interessantes como devem ter sido para os leitores de outros tempos.
Acabo de começar a segunda parte do livro, intitulada “Volúpias do Ópio”, onde devem surgir as descrições das viagens que tornaram a obra famosa. Logo no início dessa parte um trecho “em feitio de oração” aos milagres dos estados alterados de consciência.

“Ó justo, sutil e conquistador ópio! Que, para os corações de ricos e pobres igualmente, para os ferimentos que jamais serão curados, e para os golpes de dor que “tentam o espírito a se rebelar”, trazes um bálsamo aliviador. Eloquente ópio! Que com tua poderosa retórica roubas os propósitos da ira, suplicas eficazmente por piedade leniente, e através do sono celestial de uma noite lembras ao homem culpado as visões de sua infância, e mãos purificadas do sangue. Ó justo e equânime ópio! Que ao tribunal dos sonhos chamas, para os triunfos da inocência desesperada, falsas testemunhas, e confundes o perjúrio, e revertes as sentenças de juízes injustos; construíste sobre o colo da escuridão, da fantástica imaginação do cérebro, cidades e templos, além de arte de Fídias e Praxíteles, além dos esplendores de Babilônia e Hecatômpilos, e, “da anarquia do sono sonhador” chamas à luz do sol as faces de belezas há muito sepultadas, e as abençoadas feições domésticas, limpas das “desonras do túmulo”. Somente tu dás esses dons ao homem, e tens as chaves do Paraíso, ó justo, sutil e poderoso ópio!”

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Oh! Sweet Nothing


Ela olhava o relógio preparava o banho. Já estava quase na hora. Deixou a roupa dobrada em cima do banquinho com a esperança de não precisar usá-la. O plano era simples. Quando o porteiro avisasse que ele chegou, ela mandaria subir e pediria para dizer que a porta estava aberta, ela estava ocupada e era pra ele entrar direto. Nesse momento, ela correria para o chuveiro e deixaria a porta do banheiro destrancada.

Ele desceu do metrô e veio caminhando pela rua, já pouco movimentada naquela hora da noite. Sempre gostara de andar a pé em São Paulo, principalmente quando não tinha hora para chegar, o que não era o caso nesta noite. Apesar do compromisso, caminhar ajudava a relaxar e arejar os pensamentos enquanto o coração acelerava. Na última vez tinha sido uma broxada homérica, dessas de não esquecer jamais.

Na última vez foi uma broxada e tanto, ela pensou e prometeu para si mesma tentar descontrair o ambiente o máximo possível. Ao ouvir o interfone tocar deu as instruções ao porteiro e correu para baixo do chuveiro. Não sabia se deveria usar xampu ou não. Será que isso vai atrapalhar a transa? É melhor não estar com os cabelos cobertos de espuma quando ele entrar no box, se ele entrar. Mas ele vai entrar...

Subindo pelo elevador ele ficou nervoso ao perceber que suava mais do que o recomendável para aquelas circunstâncias. Seria um princípio de nervosismo? Claro que é. E pensava: porra, não vai essa merda de ansiedade me impedir de comer essa mulher de novo. Isso é tudo que eu não preciso. Espero que ela tenha umas cervejas na geladeira. Vou pedir para beber. Preciso me acalmar.

Ela toma seu banho, fazendo os movimentos todos, fingindo para si mesma. Os ouvidos ligados. Parece que ele entrou no apartamento. Quando ele vai entrar no banheiro? Acho meio impossível o cara ficar aí sentado no sofá, com a televisão e o som desligados, ouvindo o barulho do chuveiro, vendo essa porta só encostada e não entrar aqui. E o instinto, afinal?

Ele entra no apartamento. É a segunda vez que pisa ali. Tranca a porta, dá aquela olhada geral. A porta dá direto na pequena sala, arrumadinha, com televisão, alguns livros, vasinhos pequenos de flores e um aquário minúsculo com um peixe colorido trancafiado. O aparelho de som parece ridiculamente pequeno e numa olhada rápida já considera os discos ruins. A cozinha à direita também está acesa. Também acanhada. Dá uma olhada rápida, menos para ver e mais para dar tempo de criar coragem de invadir o banheiro. Respira fundo, mão na maçaneta, empurra a porta que só estava encostada.

Mas que menino curioso, diz sorridente, em resposta ao tímido aviso de invasão que ouve. Fica ali por trás da cortininha do box, nua, braços cruzados sobre os seios, seu melhor sorriso, o mais convidativo, quando o rosto dele surge, sorrindo também. Um beijo curto. Uma promessa de espera e ele sai do box rápido demais. Tímido demais. Meu, como ele não entrou? Será que eu devia ter convidado? Precisava ser mais clara do que deixar ele entrar no meu banho? Que droga!

De volta à sala ele procura ocupar a mente o máximo que pode. Olha para o peixe e acha o aquário ridículo. Procura pela vista da janela, que dá para outra janela do prédio ao lado. Pensa se devia ficar com ela no banho, mas não se deixa responder. Resolve pensar em outra coisa, alcança uma revista de moda abandonada numa mesinha de canto e procura se distrair com as fotos.

Ela arma o melhor sorriso novamente ao sair do banheiro. Enrolada na toalha, passa por ele e vai para o quarto. Deixa a porta aberta. Escolhe uma calcinha pequena, a mais sexy. Com um passo para a direita ela estaria em frente à porta aberta e ele poderia facilmente vê-la se trocar. Mas tem medo da reação dele. Ao se deixar ver nua no banho, o mínimo que esperava era que ele arrancasse a roupa e entrasse ali com ela. Agora já não sabe bem qual era a dele.

Conversavam amenidades. Viu o prédio aí da esquina, já iluminado pro Natal? Meio cedo, não acha?. Ele falava pouco. Pensou que assim poderia estar demonstrando tensão para ela. Resolveu dominar o papo. Muito estranho esse filme novo do David Lynch. Foi ver? Filme de quem? Não...

Ela sai do quarto com sua calcinha especial por baixo de uma camisolinha curta. Prepara alguma coisa pra comer. Tá com fome? Ele diz que não. Será que era melhor ter ido ao cinema? Ao teatro? Ele tá muito tenso. Desse jeito vai broxar de novo. Oferece o último pedaço de uma torta que comprou na padaria da esquina ontem.

Vão. Não tem cerveja em casa. Nem qualquer outra bebida alcoólica. Ele toma um copo de um suco de soja com sabor de uva e acha horrível. Recusa a torta de ricota. Não entende como alguém pode ter vontade de comer ricota. Gosta do quarto dela. É pequeno e limpo. O guarda roupas e o colchão no chão. A janela pequenina tem uma vista incrível, principalmente nessa noite de chuva.

Ela resolve não ficar fazendo malabarismos para esconder a calcinha. Sentam-se no colchão no chão e ficam falando de alguns colegas de faculdade, dos trabalhos, de doenças. Ela não consegue deixar de sorrir quando ele diz que seu cabelo está bonito. Ele não sabe como fica muito mais bonito quando ela goza. Ela sempre se olha no espelho depois que goza só para ver os cabelos.

Ele acha engraçado ela comer Sucrilhos àquela hora da noite. Coisa de café da manhã, pensa. Acha bonito ela sentada no colchão segurando o prato de Sucrilhos com leite. A combinação do ar inocente enquanto levaa colher à boca, tomando cuidado para o leite não cair, e a visão da calcinha amarela, exibida sem pudores excitou sua imaginação. Não pode deixar de imaginar uma gota do leite branco se equilibrando na ponta do mamilo escuro.

Em segredo, ela sente alívio quando ele pede para ela deixar o prato de lado. Sorri ao subir a camisola para cima do peito como ele havia pedido. Se acomoda melhor nos travesseiros. Será que ele gostou dessa calcinha? Sorri e também acha bonita a gota de leite no seu mamilo escuro.

Diz a ela que não precisa apagar a luz. Tira a roupa. A caçada pela gota que escorreu do peito dela não fora planejada mas facilitou as coisas, indicou o caminho dos beijos e o poupou das palavras que ele não tem mais vontade de falar. Talvez tenha tirado a roupa rápido demais.

Pelo jeito apressado que ele tirou a roupa ela sabe que algo esta errado. Assim não vai dar certo. Mais uma vez não dá certo. Tudo tem dado errado com ele. Não adianta planejar e tomar todos os cuidados. Parece que ele nunca fica à vontade.

Resolve ir embora. Pede desculpas. O problema é comigo. Não adianta. E não vai adiantar ficar aqui olhando para o teto. Faz frio lá fora, mas caminhar me tranqüiliza. Nem vou pegar taxi. Minha blusa tem capuz. Quando eu chegar em casa vai estar perto de amanhecer.

Depois que ele sai ela fica deitada no sofá por um tempo. Sente frio e volta para o quarto. Coloca o despertador para dali a duas horas. Amanhã é dia útil. Pegou no sono mais rápido que esperava.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

I´m really amazed

Neste final de semana em Sampa Aline e eu assistimos a peça “Mente Mentira” do Sam Shepard. Do caralho. Montagem fantástica, atores, cenários, ritmo, tudo. Fazia tempo que não via algo tão fudido no teatro. Também vimos “Música para ninar dinossauros” do Mario Bortolotto, na Mostra do Cemitério de Automóveis que vai até outubro no Centro Cultural São Paulo. Muito legal também. Teria milhares de coisas para escrever sobre as peças, mas a preguiça domina. Outro dia escrevo com calma. Agora, só queria registrar uma coisa sobre a trilha sonora da peça do Cemitério. Tem coisas fantásticas de Louis Armstrong, Van Morrisson e até “Jump” do Van Halen num dos melhores momentos da peça. Sem falar nos blues executados ao vivo pelas atrizes e pelo ator Paulo de Tharso. Mas o que achei foda é que a peça termina com “Maybe I´m Amazed” do Paul McCartney explodindo nos alto falantes. E tem tudo a ver. Acho que lá no escuro da platéia balancei a cabeça afirmativamente. Legal que usaram essa que é uma das músicas mais fodas do Macartney e, portanto, do rock´n roll. Se tem algo que me emputece é uma certa visão poser das coisas que impede que as pessoas admitam que gostam do velho Macca. Gostar do Lennon pode, afinal ele era engajado, briguento, ranheta e “lutava contra o sistema”. Já o Paul era o beatle bonitinho que fazia as músicas lindas para a namoradinha milionária, com quem aliás viveu a vida inteira casadinho e sossegado. Verdadeiro atestado de bundão. Aliás, pra que falar nos laureados Beatles se temos os “malvados e perigosos” Rolling Stones? É o mesmo papinho furado que ouvi de um amigo uma vez dizendo que não ouvia Led Zeppelin porque era comercial. Já as milhares de imitações vagabundas da dupla Page e Plant ele consumia com voracidade. Só porque o Zepellin era uma banda de sucesso. Pau no cu. Macartney tem vários discos ruins. Mas Lou Reed, Neil Young, Bob Dylan, Iggy Pop e todos os caras fodas do rock têm seus momentos desastrosos. O problema, mermão, é que quando o cara acerta e vem aquele som do baixo Hoffner, aquelas melodias de arrancar o coração e a voz rascante aprendida em milhares de horas ouvindo Little Richard, não tem pra mais ninguém. O resto todo ajoelha e bate palmas. Simples assim. Para quem discorda recomendo ouvir o primeirão dele, que tem “Maybe I´m Amazed” e no qual ele toca todos os instrumentos. Ou então seus trabalhos de estúdio, do “Run Devil Run” até agora. Todos muito bons. Paul Macartney é um dos grandes. Dos maiores. O Bortolotto ou sei lá quem fez a trilha sonora sabe disso. Paguei pau!

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sala de leitura



Faz calor. Escancara a janela para o verão imaginando que fosse o mar ali adiante e não a lateral do prédio vizinho com suas nuvens pretas de umidade. Tira a camisa, acende um cigarro. O cigarro mata a fome, a sede e ainda tira o amargo da boca.
Corre para sua velha cadeira de fios de plástico tecidos. Uma raridade. Poucos ainda têm uma dessas cadeiras que reinaram nas varandas da classe média e das casas do interior e hoje foram substituídas por aquelas horrendas cadeiras de plástico branco de beira de piscina. Ok... elas são mais leves e fáceis de carregar, mas carecem do charme pantaleônico dos fios de plástico colorido, que ainda deixam tatuagens estranhas na pele dos usuários.
Alisa o braço rugoso da cadeira. Talvez seja seu móvel preferido dentre os poucos do apartamento. É fundamental. Ali, ele vive os momentos de sua vida que realmente considera importantes. É sua cadeira de leitura. Seu lugar predileto no mundo.
Atualmente encara ao mesmo tempo o último best-seller do Paulo Coelho, o “Tratado das Correções do Intelecto” de Espinosa e “Esaú e Jacó”, de Machado de Assis. O do Paulo Coelho é preciso ler. Afinal, é preciso conhecer o que todo mundo está lendo. Já achou Paulo Coelho uma bosta. Odiou “O Alquimista”. Tem um conto do Borges que tem a mesma história com muito menos páginas e mais interessante. Hoje é um leitor resignado. Paulo Coelho é legal de ler cagando. É como ver novela ou assistir jogo de futebol. Ridículo, mas prende a atenção.
Já o Espinosa é sua terceira aventura pela filosofia. Boiou completamente lendo Kant e Locke. Começou agora o “Tratado” e já está achando um porre. Mas o grande problema é mesmo o final das férias. Na próxima segunda começa a trabalhar novamente. Menos tempo para ler. Chega cansado, os olhos ardendo e as costas doendo de passar o dia em frente ao computador. Lê pouco durante a semana, menos do que gostaria.
Olha pela janela a cidade iluminada. Gosta daquela vista. É a melhor do apartamento. Faz muito calor. Seus planos para o verão incluem ler vários Eça que estão faltando. É uma vergonha, mas não leu “O Primo Basílio”. Mas não será o verão perfeito. Ele sabe que é nessa época do ano que as pessoas casadas e com filhos tiram férias. E toca ele pegar serviço de outras pessoas no escritório. De uma maneira geral, o movimento diminui durante as férias, mas como poucos funcionários permanecem trabalhando, o volume de serviço para os que ficam é grande.
Um dia preciso arrumar uma solução para isso, ele pensa. Não quer mais trabalhar. Tem milhares de coisas para ler e daqui há três meses fará 47 anos. É pouco tempo para ler tudo o que deseja. O ideal era poder ficar em casa o dia todo. Mas é preciso grana. Pra ter grana é preciso estourar as costas e os olhos naquela merda de escritório. Precisava de casa, comida, roupa lavada e verba indeterminada para os livros. Mas comprar é o menor dos problemas. Na fila para serem lidos estão centenas de livros, o que ele precisa é tempo e sossego.
Talvez se virasse monge. Mas aí seria obrigado a ler somente os textos de alguma seita. Parece absurdo que alguma ordem religiosa libere a leitura de D.H. Lawrence, Jean Genet ou Henry Miller. E são autores que é preciso ler.
Da loteria já desistiu. Fez a tal da “fezinha” semanalmente por mais de quinze anos. Algum político safado deve manipular essa merda toda, afinal tem muita grana envolvida. Ganhar na loteria seria perfeito, já que não nasceu filho de rico. Colocaria o dinheiro todo num banco e só iria tirando o mínimo necessário pra sobreviver. Contas no débito automático, marmita entregue em casa e paga por mês, sairia o mínimo possível de casa. Aí sim, seria somente ler.

Parte 2 - Depoimento

que estava voltando de uma livraria e ia em direção ao seu carro, estacionado a duas quadras dali; que não conhecia a vítima; observou que a vítima parecia estar embriagada, pois falava sozinha e lavava o rosto e os braços na enxurrada; que em momento algum foi abordado ou molestado pela vítima, achando até que não foi visto por ela; que passou por ela a caminho do carro e achou que a vítima era um indigente; que foi até seu carro, estacionado a aproximadamente cem metros dali, onde guardou os livros que havia comprado e pegou um cano de ferro que trazia no porta-malas do carro; que obteve o cano de ferro na demolição da casa de sua avó; que o instrumento está em sua posse há aproximadamente dois meses e meio; que se aproximou da vítima sem que ela percebesse; que antes disso, examinou a região e lhe pareceu que não havia ninguém olhando; que o local é mal iluminado e pelo fato da vítima estar próxima de uma árvore, o local estava ainda mais escuro; que a vítima não percebeu sua aproximação; que se posicionou atrás da vítima que permanecia agachada com as mãos mergulhadas na água da enxurrada; que desferiu dois golpes na cabeça da vítima utilizando-se do cano de ferro; que o primeiro golpe foi dado com bastante força e o segundo acertou de maneira menos intensa em razão do movimento gerado pelo primeiro golpe; que a vítima caiu na enxurrada sem emitir qualquer som; que o depoente ficou muito nervoso e foi para seu carro onde ficou sentado esperando a chegada da polícia; que não sabe quem viu a ação, mas acredita que tenha sido algum porteiro ou morador dos prédios da rua; que não se certificou se a vítima veio a óbito ou não; que sua intenção não era cometer homicídio, mas sim cometer algum crime, mesmo que fosse tentativa de homicídio ou lesão corporal; que sua intenção é apenas ficar preso; o depoente acredita que, por ter curso superior, poderá ficar numa cela especial e aí vai ter tempo para ler todos os seus livros; que, em razão do seu trabalho no escritório de contabilidade do tio não tem tempo de ler tanto quanto gostaria; que gosta de se imaginar vivendo a vida dos personagens; que assim que for preso pretende ler alguns livros de Eça de Queirós que ainda não leu; que também pretende reler a obra de outros autores que gosta como Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Cervantes e outros; que não se inspirou em nenhum livro em especial para cometer o crime; que não está arrependido; o depoente perguntou ao delegado quando poderá receber seus livros na cadeia e que lhe foi respondido que ele não tem o direito de perguntar nada durante o interrogatório.

domingo, 29 de agosto de 2010

Mar


Há mar e mar, há ir e voltar.
(Alexandre O´Neill)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Thunder Road

Demorei pra gostar do "boss". Ainda tinha aquela imagem da tecladeira xaroposa que infecta a sonoridade do "Born In the USA". Nos longínquos anos 80 emprestei de um amigo a caixa "Live 1975/1985". Gravei numa fitinha que me acompanhou por muitos anos algumas faixas como "Racing in the Sreets", "This Land Is Your Land", de Woody Guthrie, e a versão absurdamente foda de "Jersey Girl", do Tom Waits. Depois, quando saíram os CDS, um dos primeiros que comprei foi o "Nebraska", seu disco totalmente folk, que ainda ouço de vez em quando. Mas só recentemente compreendi a grandeza desse puta compositor e letrista das ruas americanas. Bruce é muito foda. E "Thunder Road" é uma das composições mais emblemáticas do tal espírito do rock 'n roll. Seja lá o que for isso.

domingo, 22 de agosto de 2010

Saudades da chuva

Ando com uma tremenda saudade da chuva. Sentindo falta de coisas simples como dormir com o barulho da chuva, ou simplesmente olhar pela janela e ver as gotas molhando a rua ou o quintal de casa. Gosto muito de dirigir sozinho, à noite, com chuva e ouvindo um som. Quando isso acontece é sempre um momento que gosto de curtir. Normalmente, dirijo mais devagar pra aproveitar.

Mas além de secos, os dias atuais estão estranhos. Por diversos motivos que nem vou escrever aqui. Mas um lance legal desses dias foi ter lido “Atire no Dramaturgo”, livro que reúne os textos que o Mario Bortolotto publicou no blog homônimo.
Já faz algum tempo que acompanho o blog. Gosto dos textos e das dicas culturais que rolam lá. Já li a peça “Nossa Vida não Vale um Chevrolet” e o romance “pulp” “Mamãe não voltou do supermercado”. Gostei dos dois, principalmente da peça. Ainda tenho aqui na fila pra ler o “Bagana na Chuva” e duas coletâneas de peças do cara.
Mas acho que a leitura do “Atire no Dramaturgo” foi a que mais me pegou até agora. Primeiro pela afinidade que senti ao ler os relatos todos. Não é sempre que um autor pensa muito parecido com você, ouve os mesmos sons, gosta dos mesmos filmes. Bortolotto é aquele cara com quem eu dividiria uma cerveja na boa, enquanto arrotaríamos piadas, pequenos momentos de melancolia e observações sarcásticas sobre o boteco e o universo.
Mas, além disso, há muito chão ali. O que quero dizer é que uma trajetória como a do cara que sai da periferia de uma cidade do interior (Ok, Londrina é uma puta cidade legal, com um movimento cultural bem foda, mas como diria aquela bandinha podre está “longe demais das capitais”) e vai ser escritor, poeta, dramaturgo, bluesman (levando a vida de bluesman) é uma trajetória de coragem. Há um belo texto sobre isso, em que ele diz que nem acha nada de heróico ter conseguido viver da maneira que escolheu, ainda que seja uma maneira dura, sem concessões. Nós, os que batemos cartão de ponto, sabemos o quanto isso é uma conquista.
Por fim, os textos mostram que o escritor foi forjado nas bebedeiras, na montanha de referências artísticas, nas noites vazias, mas também em profundas tempestades e silenciosas bonanças interiores. Daí os textos muito fudidos sobre a mãe, a mulher, os caras que admira. Mario não tem medo de explicitar sentimentos, de mostrar-se perplexo com os rumos das coisas. Mesmo em sintonia com o mundo cão, com os estropiados da vida, abre espaço para uma poesia que não nasce apenas da violência. Ou estou muito enganado ou é simplesmente um imenso respeito pela vida, incluindo aí todas as merdas inerentes ao nosso camelar pelo tal vale de lágrimas. Isso, de alguma maneira, surge nas entrelinhas.
Falar que bebe pra caralho, que come todo mundo e é um puta louco alucinado é bem mais fácil. Tá cheio de candidato a poeta maldito por aí. Na net, principalmente. Existem cicatrizes mais profundas que as feitas por garrafas quebradas numa briga de rua. Assumi-las e falar delas é muito mais foda.

Além do livro do Mario Bortolotto também devorei um gibi do Jonah Hex que a Panini lançou. Muito legal. Parece que já estreou nos Estados Unidos um filme baseado nas aventuras do cowboy matador deformado. Tem o John Malkovich e a gostosa da Megan Fox no filme.
E enquanto a chuva não chega o som que mais tem rolado por aqui é o velho Tom Waits. Por que catzo não trazem o cara pra tocar aqui? Vai um som do mestre, xamã urbano encharcado de bourbon, fazendo sua dança da chuva.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Filmes e testes do ácido

Passei alguns dias difíceis depois de uma cirurgia para tirar mais uma de minhas malditas pedras nos rins. Fiquei em casa mijando cacos de vidro e finalmente consegui assistir dois filmes, algo cada vez mais raro. Vi “A Noite”, de Michelangelo Antonioni, com o Mastroianni, a Jeane Moreau e a Monica Vitti, de 1961. É um dos tais filmes da Trilogia da Incomunicabilidade. Gostei pra caralho do filme. Fotografia, trilha sonora, diálogos e, principalmente os papéis femininos, da esposa desapaixonada e da amante culpada. Me fez querer ver outros filmes de Antonioni e saber mais sobre ele. Tem aquela frieza do cinema europeu clássico dos anos 60, mas é uma obra instigante. Dá pra fazer filmes interessantes abordando as questões mais sérias da vida sem ser panfletário, apelativo ou explícito. Afinal, nem sempre essas tais questões, sejam elas o que forem, estão explícitas. Na foto abaixo, Monica Vitti.


O outro filme que vi foi o delicioso spaghetti western “Preso na Escuridão” que transfere aquela lenda japonesa do samurai cego Zaitoichi que, aliás virou um filme legal do Takeshi Kitano de 2003, se não me engano. Pois essa versão italiana e fuleira da história é muito legal. O pistoleiro cego e sem nome tenta resgatar 50 mulheres que ele deveria entregar a mineiros que as encomendaram, das mãos de bandidos mexicanos nojentões, no melhor estilo spaghetti. O filme tem sequencias muito legais, bons diálogos, humor e o Ringo Starr no papel do irmão do bandidão. Dá pra encontrar o DVD barato pela net afora. Vale conferir.
Por fim, aproveitei os dias de molho e li “O Teste do Ácido do Refresco Elétrico”, do Tom Wolfe. Para quem não sabe o livro acompanha a saga dos Merry Pranksters, na tradução, Os Festivos Gozadores, grupo de doidões reunidos em torno do escritor Ken Kesey, que rodava os Estados Unidos num ônibus psicodélico promovendo os tais “Testes do Ácido” que nada mais eram que grandes festas em que todo mundo tomava LSD (na época ainda liberada nos EUA) e ficava alucinando ao som do Grateful Dead e das luzes e ruídos psicodélicos que o grupo preparava.


Wolfe tentou copiar em sua escrita o ritmo caótico das alucinações vivenciadas pelos Pranksters. A leitura demorou um pouco a engrenar mas depois fluiu legal. É muito curiosa a figura de Kesey, mostrado ora como um simpático e carismático membro do grupo, ora como um manipulador inconseqüente. Além do autor de “Um Estranho no Ninho”, surgem nas páginas do livro gente como Hunter Thompson, os Hells Angels, Allen Gisnberg, Timothy Leary, Bill Graham e, principalmente o mito beat Neal Cassady, sempre ao volante do busão colorido dos Pranksters. Wolfe entrevistou pessoas e vivenciou várias das passagens do livro. Bem legal, para conhecer essa época.
Um trecho, na tradução de Rubens Figueredo:
- Alguma coisa está acontecendo. As estrelas estão ficando opacas. É como se uma grande nuvem estivesse nos envolvendo, muito suavemente, cobrindo o céu inteiro. Mas na verdade não é uma nuvem. Parece conter algum tipo de estrutura – posso vislumbrar uma enevoada rede de linhas e faixas mudando de posição. É quase como se as estrelas tivessem sido apanhadas numa fantasmagórica teia de aranha. A rede inteira está começando a brilhar, latejar com a luz, exatamente como se estivesse viva... Há uma grande coluna de fogo, como uma árvore em chamas, subindo no horizonte no lado ocidental. Vem lá de longe, e parece que vai envolver o mundo inteiro. Eu sei de onde eles provêm: eles estão a caminho, afinal, para se tornarem parte da Supermente. O período de experiência acabou: eles estão deixando para trás os derradeiros remanescentes da matéria... Toda a paisagem se ilumina – fica mais claro que o sol – vermelho e dourado e verde perseguem-se uns aos outros através do céu – ah, está além das palavras, não parece correto que eu seja o único a ver – nunca sonhei que existissem cores assim...
Em resumo, a cabeça ligadona, meu irmão, e viajando a mil para... a Cidade dos Limites, no maior barato, todo mundo na maior sincronia essa noite.
... mas aqui não tinha nenhum querubim de chafariz da Academie Française esguichando água, nenhuma cerimoniosa toga de linho de Gautama Buda tremulando ao vento do Oriente, com aquele exaurido hálito de queijo Roquefort que confirma a indiferença espiritual pelo mundo do corpo. Em lugar disso, iam tentar a principal auto-estrada, oito pistas de largura postes de iluminação recurvados como pescoços de garça até onde a vista alcança, e iam ligar o mundo em todas as freqüências, brandindo bandeiras americanas, difundindo as tintas luminosas e o neon eletropastel da América dos anos 60, ligado e amplificado, 327 mil HP, um ônibus de fantasia num filme de ficção científica, todos são bem vindos a bordo, por mais pé rapado, maltrapilho ou caipira que seja...

domingo, 1 de agosto de 2010

Ela e a noite


Ela e a noite já foram amantes
Parceiras de fracassos e furores
Entre lágrimas bêbadas
E o vazio surdo de algum arrependimento mais grave
Como se amaram!
Tendo a noite profunda como doce abrigo
Ela encarou monstros e arroubos de fé desesperada
Aprendeu coisas importantes sobre seu tesão
Tomou caminhos errados
Caiu de cara nos espinhos
Lambeu as portas do inferno
Foi cruel com os tímidos
Tragou fumaça de gasolina
Pulou janelas no extremo oriente
Domou pulgas de um velho cobertor
Roeu as unhas
Hoje, ela e a noite convivem
Respeitosas e distantes
Ex-amantes que não olham para trás
Pelo menos enquanto a outra está por perto
(01/08 -ao som de “Eleanor Rigby”)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Das minhas memórias musicais


Nostálgico incurável assumido, dia desses encontrei meio sem querer num desses blogs de música, links para baixar o disco “Carney” de Leon Russell. Obra-prima lançada em 1972 e que eu ouvia obsessivamente nos meus tempos de estudante em Bauru, de 1992 a 1995.
Quando comecei a faculdade de jornalismo eu tinha 18 anos e logo no primeiro dia de aula conheci o Nélio. Ele se dizia ator profissional, tinha 35 anos na época e havia morado em Campinas e em Vitória. Ficamos amigos. Eu gostava de ser amigo dele. Falávamos de música, de literatura, de política. O cara era meio temperamental, não se bicava com várias pessoas da sala e morava num hotel no centrão da cidade.
Eu também morava sozinho próximo ao cruzamento das avenidas Duque de Caxias e Nações Unidas, um local que era caminho pra todo mundo ir para o centro da cidade ou para a faculdade. Por isso o apartamento vivia cheio de gente. Vários amigos paravam ali pra ouvir um som, jogar conversa fora, beber ou esperar o horário do ônibus.
O Nélio também baixava lá com certa frequência. Lembro especialmente de um dia que ele chegou e eu estava ouvindo uma fitinha do disco “Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua”, do Sérgio Sampaio, que eu gravara com as turcas, amigas que tinham um irmão mais velho dono de uma montanha de discos legais, a maioria de blues, jazz e rock tradicional. O cara era rico, trabalhava em São Paulo, na bolsa de valores ou algo assim, e volta e meia viajava para os Estados Unidos de onde trazia malas e sacolas lotadas de bons sons.
Pois bem... ao ouvir o som do Sérgio Sampaio o velho Nélio ficou emocionadíssimo. Pediu que eu copiasse a fita pra ele e pediu pra a gente ficar em silêncio absoluto pra ele ouvir “Viajei de Trem”. Acertei a música no tape e ele ficou lá de olhos fechados, meio chorando, meio sorrindo, como se estivesse tomando uma porrada sonora de saudade e dor. Depois ele contou várias histórias dos tempos em que morou no Espírito Santo. Contou que conhecia o irmão do Sérgio Sampaio, chamado Dedé Caiano, se não me engano, que era poeta naquelas bandas. Lembrou de uma vez que foi preso e torturado numa delegacia imunda em Vitória. Parecia que o som do Sampaio era a trilha sonora dessa época da vida dele.
Numa dessas vezes o Nélio resolveu deixar seus discos de vinil lá em casa, já que ele não tinha onde ouvir lá no hotel. Lembro que ficou o “Brothers and Sisters”, do Allman Brothers que eu adoro até hoje. Anos depois comprei o CD importado na Galeria, em São Paulo. É um disco gravado depois da morte do Duane Allman, mas que é bom pra caralho. Em 1996 eu morava em Sampa e levei meu primo Julio então com 12 anos de idade pra ver o Big Alanbik no Centro Cultural de São Paulo e o Big Gilson detonou uma versão arrasadora de “Jessica”. O Julio já fazia suas aulinhas de violão e tenho certeza que ver o Gilson ao vivo com sua Gibson SG ajudou que ele se tornasse o ótimo guitarrista que ele é. Naquele mesmo ano vi o Nuno Mindelis mandar uma puta versão de “Southbound”, no Sesc Paulista, com o Alaor Neves na bateria. “Jéssica” e “Southbound” estão no “Brothers and Sisters”
Outro dos discos do Nélio que ficaram em casa era o “The Last Waltz”, trilha sonora do filme dirigido pelo Scorcese sobre o concerto de despedida da The Band. Além dos anfitriões, o show tinha Muddy Waters, Neil Young, Bob Dylan, Van Morrisson e Emmylou Harris. Do caralho. Ah...ele deixou também o “Before the Flood”, ao vivão do Dylan com The Band que eu também baixei da net recentemente.
E tinha também aquele disco estranho, com uma foto de um maluco num camarim, com a cara pintada, parecendo mais um personagem de filme de terror do que um palhaço ou algo assim. Nem o Nelião sabia muita coisa sobre o Leon Russell, fora o fato dele ser pianista e ter tocado no Concerto para Bangladesh do George Harrisson.
Pois bem, Russell é um multi-instrumentista que até hoje grava seus discos num esquema independente nos Estados Unidos. No início dos anos 70 ele era músico de estúdio respeitado. Trabalhou com Joe Cocker, Willie Nelson, The Byrds, Jerry Lee Lewis, Bob Dylan, os Stones, Eric Clapton, Elton John e tantos outros. Se não me engano ele toca também no “All Things Must Pass”, do George Harrison. Seu disco de estréia tem a participação de vários desses caras e mais Klaus Voorman e Jim Keltner, entre outros.
“Carney”, o disco que o Nélio deixou em casa, era seu segundo álbum solo. É um disco estranho, com arranjos simples e algumas canções capazes de arrepiar o mais frio dos ouvintes. Na época eu quase furava o vinilzão ouvindo “Manhattan Island Serenade”, “Magic Mirror”, “Me and Baby Jane” ou a versão original de “This Masquerade”, que no final dos anos 70 acabou virando um dos maiores sucessos do guitarrista de jazz George Benson.
Essas quatro são baladas sangrentas. Me lembram coisas do Tom Waits e também do Harry Nilsson. As coisas têm cara de cabaré ou de uma manhã de domingo chuvosa ou de um bar enfumaçado e vazio ou de um solitário olhando a noite da cidade do décimo quarto andar. A voz de Russell é estranhona e bonita e seu jeito de cantar carregado de um sotaque que me parece meio caipira. Ele é do Arizona, se não me engano.
Ouvi muito essas canções curtindo minha paixão totalmente não correspondida por uma menina linda e bobinha chamada Larissa, que logo depois da faculdade engravidou de um advogadinho rico e sumiu na poeira do centro oeste paulista. Na época a gente morava no mesmo prédio e ela era meio brigada com as meninas da sua república. Aí praticamente morava lá em casa. Gravei fitas pra ela com Caetano cantando “Nosso Estranho Amor” (Não quero sugar todo o seu leite/ Nem quero você enfeite do meu ser/ Apenas te peço que aceite o meu louco querer) e o Jorge Mautner cantando “Lágrimas Negras”. Sintomático.
Enquanto isso dichavava minha frustração e solidão no meio do apartamento sempre movimentado ouvindo “Satellite of Love”, do Lou Reed, as baladas do “Rain Dogs”, tipo “Blind Love”, todo o “Astral Weeks” e dos discos do Nélio, a versão de “Just Like a Woman” do Dylan no “Before the Flood” e é claro, muito Leon Russell. Lembranças de bons, bonitos, quentes e dolorosos dias.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Às vezes



Algumas vezes penso na minha falta de fé. Em outras estou pouco me fudendo. Pago o mesmo preço que todos para serenar meu coração. Às vezes digo teu nome. Brinco de ser o trovador errante dando voltas no quarteirão. Às vezes viajo forte. Sei que o sol é inacessível e o paraíso idem. Mas às vezes, somente às vezes, a caminhada rende uma canção.
(Trilha sonora do post: Roy Buchanan - I Am a Lonesome Fugitive)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Mapa Cultural

My baby Aline Grego foi uma das vencedoras do Mapa Cultural Paulista na categoria fotografia.
Estou feliz com o prêmio e orgulhoso do seu talento. As fotos são parte da exposição "Casas de avós" que ela fez no ano passado.


sexta-feira, 16 de julho de 2010

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.


(Bocage)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O obituário nosso de cada dia


Harvey Pekar foi um dos nomes mais originais dos quadrinhos norte-americanos, com suas histórias sobre o prosaico, o antiglamour, o antiaventuras, talvez por isso o antiquadrinhos. Sua trajetória singular mereceu até filme, o bom “O Anti-herói americano” com o Paul Giamatti.
Harvey foi só o último que fiquei sabendo de uma lista de pessoas interessantes que morreram nos últimos tempos, como o ator Dennis Hopper, o editor Masao Ohno, o grande poeta Roberto Piva, o músico Paulo Moura, José Saramago e o cartunista Glauco. Ah...teve também o carinha do Sparklehorse, uma das boas bandas de rock dos últimos tempos.
Daqui da minha sala, olho o nevoeiro denso lá fora que me tapa a visão dos eucaliptos. É ruim saber da morte de alguém que admiramos. É pior saber da agonia ou do sofrimento dos que conhecemos, como tá rolando comigo nesses dias. É engraçado escrever sobre isso ouvindo Screamin’Jay Hawkins.
O fato é que ando pensando muito na morte e desde que me tornei pai tenho medo dela. Já me disseram que é normal, que faz parte do instinto de sobrevivência. De qualquer maneira, vale a pena adotar a lição do bom e velho Leminski. Já falei pra minha patroa que, de minha parte, quero isso na minha lápide: “Quem vai embora não embolora”. A família pode achar que não tem graça uma piadinha dessas numa hora tão grave. Se é que a hora será grave. Bom, mas aí já não será problema meu. De minha parte, só aviso que pretendo ficar por aqui até o fim da prorrogação (pra não dizer que não falei de futebol). Aliás... por que o capeta não chama logo o Ricardo Teixeira, o Dunga e o Galvão Bueno? São insondáveis os mistérios dessa vida. O negócio é seguir caminhando em frente. Até fazer a curva.

sábado, 10 de julho de 2010

E os hipopótamos foram cozidos nos seus tanques



Acabo de ler “E os hipopótamos foram cozidos nos seus tanques” de Jack Kerouac e Willian S. Burroughs que a Companhia das Letras lançou em 2009. O livro conta a famosa história do assassinato de David Kamerer (no livro Ramsay Allen) pelo adolescente Lucien Carr (no livro Philip Tourian), amigos de Kerouac e Burroughs que aproveitaram a história para um exercício literário conjunto.
Burroughs assina seus capítulos como Will Denisson e Kerouac como Mark Ryko. O livro foi escrito logo após os acontecimentos, por volta de 1945, quando nenhum dos dois futuros mitos beat ainda não tinham publicado nada.
O romance não tem maiores atrativos, além de saber um pouco melhor como viviam os beats e sua turma em tempos pré-fama. Ainda não tem a força de outros textos da dupla, mas de qualquer maneira é uma leitura muito agradável. O melhor da edição é o texto assinado por James W. Grauerholz, companheiro de Burroughs, que traz várias informações sobre a trajetória conturbada do livro, dados biográficos sobre os personagens, principalmente sobre o assassino Lucien Carr que virou diretor de jornalismo da United Press e se tornou um dos nomes mais respeitados da imprensa norte-americana.

Vale ficar ligado e reservar uma grana por que vai ser lançado em breve, também pela Companhia das Letras, “Atravessar o Fogo”, livro que reúne todas as letras de Lou Reed. São quase 800 páginas. É por causa desse lançamento que Lou Reed estará na Flip deste ano.

domingo, 4 de julho de 2010

Roberto Piva (1937-2010)



O rock da Serra da Canastra
(para Ugo Giorgetti)

Noite de onças azuis
Tempo ouriçado das Montanhas
No belo boliche
Das estrelas cadentes
Você toca o contra-baixo do cinema
Na direção do vento
No horizonte de todas as tramas escocesas
Depois da Morte onde estaremos?
Em que névoa violeta em que silêncio?

(São Paulo 2007)