sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Filmes e testes do ácido

Passei alguns dias difíceis depois de uma cirurgia para tirar mais uma de minhas malditas pedras nos rins. Fiquei em casa mijando cacos de vidro e finalmente consegui assistir dois filmes, algo cada vez mais raro. Vi “A Noite”, de Michelangelo Antonioni, com o Mastroianni, a Jeane Moreau e a Monica Vitti, de 1961. É um dos tais filmes da Trilogia da Incomunicabilidade. Gostei pra caralho do filme. Fotografia, trilha sonora, diálogos e, principalmente os papéis femininos, da esposa desapaixonada e da amante culpada. Me fez querer ver outros filmes de Antonioni e saber mais sobre ele. Tem aquela frieza do cinema europeu clássico dos anos 60, mas é uma obra instigante. Dá pra fazer filmes interessantes abordando as questões mais sérias da vida sem ser panfletário, apelativo ou explícito. Afinal, nem sempre essas tais questões, sejam elas o que forem, estão explícitas. Na foto abaixo, Monica Vitti.


O outro filme que vi foi o delicioso spaghetti western “Preso na Escuridão” que transfere aquela lenda japonesa do samurai cego Zaitoichi que, aliás virou um filme legal do Takeshi Kitano de 2003, se não me engano. Pois essa versão italiana e fuleira da história é muito legal. O pistoleiro cego e sem nome tenta resgatar 50 mulheres que ele deveria entregar a mineiros que as encomendaram, das mãos de bandidos mexicanos nojentões, no melhor estilo spaghetti. O filme tem sequencias muito legais, bons diálogos, humor e o Ringo Starr no papel do irmão do bandidão. Dá pra encontrar o DVD barato pela net afora. Vale conferir.
Por fim, aproveitei os dias de molho e li “O Teste do Ácido do Refresco Elétrico”, do Tom Wolfe. Para quem não sabe o livro acompanha a saga dos Merry Pranksters, na tradução, Os Festivos Gozadores, grupo de doidões reunidos em torno do escritor Ken Kesey, que rodava os Estados Unidos num ônibus psicodélico promovendo os tais “Testes do Ácido” que nada mais eram que grandes festas em que todo mundo tomava LSD (na época ainda liberada nos EUA) e ficava alucinando ao som do Grateful Dead e das luzes e ruídos psicodélicos que o grupo preparava.


Wolfe tentou copiar em sua escrita o ritmo caótico das alucinações vivenciadas pelos Pranksters. A leitura demorou um pouco a engrenar mas depois fluiu legal. É muito curiosa a figura de Kesey, mostrado ora como um simpático e carismático membro do grupo, ora como um manipulador inconseqüente. Além do autor de “Um Estranho no Ninho”, surgem nas páginas do livro gente como Hunter Thompson, os Hells Angels, Allen Gisnberg, Timothy Leary, Bill Graham e, principalmente o mito beat Neal Cassady, sempre ao volante do busão colorido dos Pranksters. Wolfe entrevistou pessoas e vivenciou várias das passagens do livro. Bem legal, para conhecer essa época.
Um trecho, na tradução de Rubens Figueredo:
- Alguma coisa está acontecendo. As estrelas estão ficando opacas. É como se uma grande nuvem estivesse nos envolvendo, muito suavemente, cobrindo o céu inteiro. Mas na verdade não é uma nuvem. Parece conter algum tipo de estrutura – posso vislumbrar uma enevoada rede de linhas e faixas mudando de posição. É quase como se as estrelas tivessem sido apanhadas numa fantasmagórica teia de aranha. A rede inteira está começando a brilhar, latejar com a luz, exatamente como se estivesse viva... Há uma grande coluna de fogo, como uma árvore em chamas, subindo no horizonte no lado ocidental. Vem lá de longe, e parece que vai envolver o mundo inteiro. Eu sei de onde eles provêm: eles estão a caminho, afinal, para se tornarem parte da Supermente. O período de experiência acabou: eles estão deixando para trás os derradeiros remanescentes da matéria... Toda a paisagem se ilumina – fica mais claro que o sol – vermelho e dourado e verde perseguem-se uns aos outros através do céu – ah, está além das palavras, não parece correto que eu seja o único a ver – nunca sonhei que existissem cores assim...
Em resumo, a cabeça ligadona, meu irmão, e viajando a mil para... a Cidade dos Limites, no maior barato, todo mundo na maior sincronia essa noite.
... mas aqui não tinha nenhum querubim de chafariz da Academie Française esguichando água, nenhuma cerimoniosa toga de linho de Gautama Buda tremulando ao vento do Oriente, com aquele exaurido hálito de queijo Roquefort que confirma a indiferença espiritual pelo mundo do corpo. Em lugar disso, iam tentar a principal auto-estrada, oito pistas de largura postes de iluminação recurvados como pescoços de garça até onde a vista alcança, e iam ligar o mundo em todas as freqüências, brandindo bandeiras americanas, difundindo as tintas luminosas e o neon eletropastel da América dos anos 60, ligado e amplificado, 327 mil HP, um ônibus de fantasia num filme de ficção científica, todos são bem vindos a bordo, por mais pé rapado, maltrapilho ou caipira que seja...

6 comentários:

Gustavo Martins disse...

Só gravando e transcrevendo depois do fim da viagem pra sair um livro desse do Tom Wolfe. Só na base do gravador. Porque lembrar no dia seguinte...

POBRE MEU BLOG disse...

Pois é...dizem que das melhores histórias dos anos 60 ninguém lembra porque tava todo mundo chapado...obrigado pela visita.

Dean Moriarty disse...

Sobre o filme " A Noite " de Antonioni, a parte que Lidia lê a carta parar Mastroianni é realmente sensacional, uma obra prima do cinema.
O livro de Tom wolfe eu já ouví falar, mas agora minha curiosidade aumentou em relação a lê-lo. Vou procurar nos sebos e livrerias....Valeu...

POBRE MEU BLOG disse...

Vale a pena ler. Abraço.

Guilherme Palma disse...

foi bom vir a seu site, me fez retomar a vontade de assistir ao verdadeiro cinema que são os classicos antigos
eu te conheco sergio, tenho alguns amigos entre seus seguidores
abraço

POBRE MEU BLOG disse...

Legal Guilherme!Apareça sempre!