quinta-feira, 29 de julho de 2010

Das minhas memórias musicais


Nostálgico incurável assumido, dia desses encontrei meio sem querer num desses blogs de música, links para baixar o disco “Carney” de Leon Russell. Obra-prima lançada em 1972 e que eu ouvia obsessivamente nos meus tempos de estudante em Bauru, de 1992 a 1995.
Quando comecei a faculdade de jornalismo eu tinha 18 anos e logo no primeiro dia de aula conheci o Nélio. Ele se dizia ator profissional, tinha 35 anos na época e havia morado em Campinas e em Vitória. Ficamos amigos. Eu gostava de ser amigo dele. Falávamos de música, de literatura, de política. O cara era meio temperamental, não se bicava com várias pessoas da sala e morava num hotel no centrão da cidade.
Eu também morava sozinho próximo ao cruzamento das avenidas Duque de Caxias e Nações Unidas, um local que era caminho pra todo mundo ir para o centro da cidade ou para a faculdade. Por isso o apartamento vivia cheio de gente. Vários amigos paravam ali pra ouvir um som, jogar conversa fora, beber ou esperar o horário do ônibus.
O Nélio também baixava lá com certa frequência. Lembro especialmente de um dia que ele chegou e eu estava ouvindo uma fitinha do disco “Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua”, do Sérgio Sampaio, que eu gravara com as turcas, amigas que tinham um irmão mais velho dono de uma montanha de discos legais, a maioria de blues, jazz e rock tradicional. O cara era rico, trabalhava em São Paulo, na bolsa de valores ou algo assim, e volta e meia viajava para os Estados Unidos de onde trazia malas e sacolas lotadas de bons sons.
Pois bem... ao ouvir o som do Sérgio Sampaio o velho Nélio ficou emocionadíssimo. Pediu que eu copiasse a fita pra ele e pediu pra a gente ficar em silêncio absoluto pra ele ouvir “Viajei de Trem”. Acertei a música no tape e ele ficou lá de olhos fechados, meio chorando, meio sorrindo, como se estivesse tomando uma porrada sonora de saudade e dor. Depois ele contou várias histórias dos tempos em que morou no Espírito Santo. Contou que conhecia o irmão do Sérgio Sampaio, chamado Dedé Caiano, se não me engano, que era poeta naquelas bandas. Lembrou de uma vez que foi preso e torturado numa delegacia imunda em Vitória. Parecia que o som do Sampaio era a trilha sonora dessa época da vida dele.
Numa dessas vezes o Nélio resolveu deixar seus discos de vinil lá em casa, já que ele não tinha onde ouvir lá no hotel. Lembro que ficou o “Brothers and Sisters”, do Allman Brothers que eu adoro até hoje. Anos depois comprei o CD importado na Galeria, em São Paulo. É um disco gravado depois da morte do Duane Allman, mas que é bom pra caralho. Em 1996 eu morava em Sampa e levei meu primo Julio então com 12 anos de idade pra ver o Big Alanbik no Centro Cultural de São Paulo e o Big Gilson detonou uma versão arrasadora de “Jessica”. O Julio já fazia suas aulinhas de violão e tenho certeza que ver o Gilson ao vivo com sua Gibson SG ajudou que ele se tornasse o ótimo guitarrista que ele é. Naquele mesmo ano vi o Nuno Mindelis mandar uma puta versão de “Southbound”, no Sesc Paulista, com o Alaor Neves na bateria. “Jéssica” e “Southbound” estão no “Brothers and Sisters”
Outro dos discos do Nélio que ficaram em casa era o “The Last Waltz”, trilha sonora do filme dirigido pelo Scorcese sobre o concerto de despedida da The Band. Além dos anfitriões, o show tinha Muddy Waters, Neil Young, Bob Dylan, Van Morrisson e Emmylou Harris. Do caralho. Ah...ele deixou também o “Before the Flood”, ao vivão do Dylan com The Band que eu também baixei da net recentemente.
E tinha também aquele disco estranho, com uma foto de um maluco num camarim, com a cara pintada, parecendo mais um personagem de filme de terror do que um palhaço ou algo assim. Nem o Nelião sabia muita coisa sobre o Leon Russell, fora o fato dele ser pianista e ter tocado no Concerto para Bangladesh do George Harrisson.
Pois bem, Russell é um multi-instrumentista que até hoje grava seus discos num esquema independente nos Estados Unidos. No início dos anos 70 ele era músico de estúdio respeitado. Trabalhou com Joe Cocker, Willie Nelson, The Byrds, Jerry Lee Lewis, Bob Dylan, os Stones, Eric Clapton, Elton John e tantos outros. Se não me engano ele toca também no “All Things Must Pass”, do George Harrison. Seu disco de estréia tem a participação de vários desses caras e mais Klaus Voorman e Jim Keltner, entre outros.
“Carney”, o disco que o Nélio deixou em casa, era seu segundo álbum solo. É um disco estranho, com arranjos simples e algumas canções capazes de arrepiar o mais frio dos ouvintes. Na época eu quase furava o vinilzão ouvindo “Manhattan Island Serenade”, “Magic Mirror”, “Me and Baby Jane” ou a versão original de “This Masquerade”, que no final dos anos 70 acabou virando um dos maiores sucessos do guitarrista de jazz George Benson.
Essas quatro são baladas sangrentas. Me lembram coisas do Tom Waits e também do Harry Nilsson. As coisas têm cara de cabaré ou de uma manhã de domingo chuvosa ou de um bar enfumaçado e vazio ou de um solitário olhando a noite da cidade do décimo quarto andar. A voz de Russell é estranhona e bonita e seu jeito de cantar carregado de um sotaque que me parece meio caipira. Ele é do Arizona, se não me engano.
Ouvi muito essas canções curtindo minha paixão totalmente não correspondida por uma menina linda e bobinha chamada Larissa, que logo depois da faculdade engravidou de um advogadinho rico e sumiu na poeira do centro oeste paulista. Na época a gente morava no mesmo prédio e ela era meio brigada com as meninas da sua república. Aí praticamente morava lá em casa. Gravei fitas pra ela com Caetano cantando “Nosso Estranho Amor” (Não quero sugar todo o seu leite/ Nem quero você enfeite do meu ser/ Apenas te peço que aceite o meu louco querer) e o Jorge Mautner cantando “Lágrimas Negras”. Sintomático.
Enquanto isso dichavava minha frustração e solidão no meio do apartamento sempre movimentado ouvindo “Satellite of Love”, do Lou Reed, as baladas do “Rain Dogs”, tipo “Blind Love”, todo o “Astral Weeks” e dos discos do Nélio, a versão de “Just Like a Woman” do Dylan no “Before the Flood” e é claro, muito Leon Russell. Lembranças de bons, bonitos, quentes e dolorosos dias.

8 comentários:

Rodrigo Roll disse...

Sérgio Sampaio é maravilhoso e “The Last Waltz” um dos melhores filmes sobre musica...
belo post!

POBRE MEU BLOG disse...

Valeu Rodrigo. Apareça sempre.

Pedro. disse...

Belíssimo post para iluminar a cidade e os tempos de outrora. Pra mim é sempre bom saber um pouco mais do seu primeiro período bauruense,importante e formativo. Pessoas, discos e referências. O meu período bauruense foi uma escola de aperfeicoamento de escuta crítica de música popular e rock. Um período que aprendi a ouvir o que já conhecia de maneira diferente e onde conheci muita coisa nova. Isto tudo eu devo a você, que com boa dose de didatismo me revelou a velhice do meu espírito e me devolveu a juventude com seus preciosos discos. Fun House, Loaded, Ziggy Stardust, Ok Computer (que ouvimos assim que foi lancado),Fellini, Racionais & muitos outros. Este é o Sérgio que eu conheco. A você um grande abraco.Pedro.
Pedro.

Sid disse...

Cara, viajei no post ...Leon Russel e Sergio Sampaio..
Eu viajei de trem... tenho isso em casa, desde sempre !!
Tuas estorias parecem minhas tb, rsrsrs

Valeu, veio !!


Sid

Anônimo disse...

Caralho!! Eu tenho esse vinil. Ganhei da ex mulher do meu tio quando era pivete. Aliás ela foi responsavel por minha educação musical..rsrs... me apresentou Bob Dylan, Supertramp, Pink Flyd, Police, Alice Chains.. e etc..
Boas lembraças!!
Belo texto
Abraço!

R.R disse...

Caralho!! Eu tenho esse vinil. Ganhei da ex mulher do meu tio quando era pivete. Aliás ela foi responsavel por minha educação musical..rsrs... me apresentou Bob Dylan, Supertramp, Pink Flyd, Police, Alice Chains.. e etc..
Boas lembraças!!
Belo texto
Abraço!

Gustavo Martins disse...

Prezado Sérgio:

Viaqjávamos em Allman Brothers desde a adolescência, coisa rara no Brasil; mas Midnight Rider ouvimos pela primeira vez na voz do Ed Motta, com o Bues Etílicos fazendo o instrumental. Isso ao vivo, aqui em Curitiba, na falecida casa Coração Melão.

Agora que nossa vontade atiçou, vamos atrás do Leon Russel.

Fica a dica de uma banda protegida do Harrison, de contrapartida: BAD FINGER

POBRE MEU BLOG disse...

Pois é amigos ...essas velharias todas marcam a gente. Abraço e obrigado pela visita.