sábado, 15 de agosto de 2009

“A Primavera do Gato Amarelo” - Para os velhos roqueiros



No último CD do bardo podreira Wander Wildner “La Canción Inesperada” há uma canção chamada “O Reverendo do Rock Gaúcho” em que ele cita as bandas e os músicos da pré-história do rock dos pampas lá no início dos anos 80, quando o próprio Wander cantava nos Replicantes. Na canção ele diz que Julio Reny ainda anda por aí com seu violão modelo Elvis Presley.
De fato, nos anos 80, se falava bastante em Julio Reny e sua banda Expresso do Oriente na finada Revista Bizz. Naqueles tempos pré-internet até deu pra saber da existência de Reny, mas não consegui ouvir seu som.
Fui conhecer o trabalho de Julio Reny com o grupo Cowboys Espirituais que chegou até a fazer algum sucesso radiofônico com a canção “Jovem Cowboy”. O primeiro disco do grupo integrado por Reny e outros veteranos do rock gaúcho como Frank Jorge e Ney Van Soria é sempre uma boa opção para ouvir na estrada ou num dia feliz de outono. Country rock leve e bem humorado.
Só recentemente, ao ler na net sobre “A Primavera do Gato Amarelo”, fui buscar o trabalho solo de Reny. Baixei o disco, ouvi, gostei e baixei os anteriores também. Mas “A Primavera...” é um disco que tenho ouvido cada vez mais. É um rock maduro, fácil, inteligente, leve que evoca histórias e momentos passados em letras e sonoridades. Um prato cheio para quem é viciado em ser nostálgico, como eu. Confesso: falou ao meu velho coração roqueiro que às vezes fica lá escondidinho debaixo das obrigações profissionais ou da vontade/necessidade de conhecer novos sons ou manifestações artísticas.
Reny é um trovador roqueiro que carrega tudo que um personagem deste tipo requer. Uma voz estranha, um som de violão com cordas de aço, letras legais, bons refrões, boas referências e um clima estradeiro indefinível, mas que o pessoal que ouve rock vai sacar no ato.
O CD abre com “O Segundo Fim”, jovem guarda pura, com aquele acento brega que os gaúchos adoram tanto (vide Frank Jorge e o próprio Wander Wildner). A música trata do fim de um relacionamento, fato que, segundo entrevistas de Reny, ocorreu mesmo durante o processo de composição das canções de “A Primavera...” embora isso não signifique um disco triste. Na letra ele pede “Ainda preciso de você/ Eu preciso de um segundo fim”.
“Linda Menina” trata da simples alegria de estar andando pela rua com a cabeça ocupada pelas preocupações do cotidiano e se deparar com a garota mais linda da cidade “de vestido apertado e sandália rasteira”. Pra combinar com o momento, um rockinho alegre conduzido por piano e slide guitar.
O momento mais beatle do CD é “Chegou a Primavera”, alegre brincadeira a lá “Penny Lane”, com flauta e cantos de passarinhos, celebrando as cores e as flores da estação em que as mulheres levitam no ar como “a menina feliz a mostrar/ Sua mais nova penugem para o sol dourar”.
“Noite em São Sepé” é a minha preferida. O som é legal, mas a letra é uma delícia. Um encontro de velhos amigos para ouvir rock antigo numa madrugada fria. “Eu e meus amigos embriagados de saudade/ Na madrugada tão distante/Se a cruzada terminou/ Serei um cavaleiro andante”. Porra! A música me fez lembrar milhões de histórias e pessoas queridas. Queria que esses amigos ouvissem a faixa. Acho que iriam entender.
Na sequência vem “Outra Vez”, um bom refrão com aquela cara de música de Nando Reis. Aliás, para quem não conhece o som do Reny, talvez essa seja mesmo a melhor referência. Um rock suave, com toques folk e pop. No entanto, o trovador gaúcho soa aos meus ouvidos menos pretensioso e mais verdadeiro. “Noite de Ingleses” e “Faltou Tempo de Escrever” também são boas. A segunda resvala no romantismo/jovem guarda novamente.
“Invisível” é o desejo/obsessão pela mulher amada que faz o personagem da canção desejar ser invisível para olhar por ela 24 horas por dia. Desde observar o banho, fazer carinhos durante o sono até estragar as noites com os outros. E eu pergunto, meus caros: quem nunca sonhou com isso? O solinho brega de saxofone não atrapalha. Até dá um climinha mais anos 80.
A versão rock´n roll de Pasárgada chama-se “Gloca Morra”. Lá, por ser amigo do rei, Julio Reny, desfruta da gentileza das garotas, dos verões eternos e dos drinks infindos, joga bilhar com os amigos e desperta todos os dias sem louça pra lavar.
“Tenha Fé” talvez até seja legal, mas o fato de ter a participação de Humberto Gessinger faz tudo ficar com cara de Engenheiros do Hawai e...bom, melhor pular a faixa.
O disco termina com “Two Tones” rock´n roll saboroso e declaração da profissão fé do Reny. Lembrei de algumas coisas do disco “Panela do Diabo” do Raul Seixas e Marcelo Nova. É isso. Nada vai acabar “enquanto eu dançar com meus sapatos two tones”.
De uma certa maneira, “Two Tones” é uma síntese do disco. Deixando o peso dos anos e os demônios do cotidiano ainda dá pra ter os sonhos, principalmente se embalados por bons riffs de guitarra.
Enquanto espero os comparsas darem as caras para nossa próxima “Noite em São Sepé”, reafirmo minha condição de cavalheiro andante e vou ouvir Julio Reny. E chega.

5 comentários:

Anônimo disse...

Entao meus caros,
vou expurgar as nostalgias e fazer uma ode ao presente-passado com o show do Jello Biafra and the Guatanamo School of Medicine. O lance vai rolar no SO36, o CBGB berlinense. Berlin über all!
Vejam aqui o flyer:

http://www.goth-city-radio.com/04-09-09-jello-biafra-a-tgsom-live-im-so36-berlin.html

Tchellu's disse...

Caros Camaradas, comparsas de copo e som,
É com grande satisfação que recebo notícias tão rock’s.
Uma parte da lição de casa já fiz. Baixei o disquinho do Julio, ainda não ouvi, mas em breve mando pareceres.

Pedroso, bota pra fude véio! Põe a camiseta preta, a calça rasgada e sinta o cheiro de chulé do velho coturno. Isso sim é nostalgia da boa.

Sérgio disse...

Jello Biafra Uber Alles

Tchello's disse...

Saravá Preto Véio,

Foi apenas uma primeira audição da Primavera, mas já deu pra sacar a levada brega/chinelagem/jovem guarda do eterno Cowboy Espiritual.
O disquinho deu o clima perfeito pra minha segunda feira solitária, com laranjeira florida no fundo do quintal saturando o ar com seu cheiro maravilhoso, jabuticabeira cheia de pequenas bolas pretas e um ipê começando a florescer.
Dias tristes de inverno chuvoso na primavera do gato malhado.
Abração

Sérgio disse...

Bom, bom...essa é a idéia.
Sabia que meu comparsa ia sacar de prima.