domingo, 20 de dezembro de 2009

Bukowski, paternidade e outras bobagens.


Finalmente comecei a ler o “Textos autobiográficos” do Bukowski que a L&PM lançou recentemente. Está sendo muito bom reler o velho Buk. Há muita poesia nas coisas dele. Acho que muita gente que não conhece o cara imagina que são só bebedeiras, tosquices e escatologias enfileiradas nas páginas. Pois o lance é que o cara tinha as manhas de fazer brotar das entrelinhas do seu texto cru uma poesia que nasce da dor, da solidão e da falta de sentido da vida que, ao mesmo tempo que é dura e opressora, também oferece infinitos caminhos para os corajosos interessados em explorá-los.
Fazia tempo que não lia o velho Buk assim, pegar um livro e lê-lo inteiro. Li “Cartas na Rua” com uns 14 ou 15 anos, numa edição daquelas do Círculo do Livro que guardo com carinho até hoje. Depois li “Mulheres”. Devia ter uns 17 ou 18 anos. Acho que cheguei a reler os dois, mas faz tempo pra caralho. Lá se vão, portanto, quase vinte anos e muitas cagadas na vida. Depois disso, só contos esparsos naqueles livrinhos da própria L&PM.
“Textos autobiográficos” reúne trechos de muitos dos livros de Bukowski e dispondo estes recortes em ordem cronológica (não de publicação, mas de acontecimentos) vai compondo uma espécie de autobiografia do velho safado. Achei muito interessante e dolorosa a parte sobre a infância e juventude. Não tinha lido nada sobre esta fase da sua vida. A maior parte dos trechos dessa fase é retirada do livro “Misto Quente” que eu nunca li.
Ele fala muito sobre o pai, um brutamontes violento, entregador de leite e louco para ser ou pelo menos parecer rico. Me fez pensar sobre o lance da paternidade. Agora sou pai e isso traz uma responsabilidade louca. Fiquei pensando qual seria o grande papel de um pai... Conclui que pai serve mesmo é para mostrar aos filhos que não existem heróis e nem seres humanos perfeitos. As pessoas são falíveis, cheias de problemas, incoerentes e imperfeitas. O pai é o cara que vai deixar isso claro, pois de herói na infância vai passar à categoria de idiota, em maior ou menor grau, quando o filho atingir a adolescência. O resultado desse processo todo é que talvez determine como se dará a convivência na vida adulta do filho. É muito provável que meu moleque, que hoje agarra minhas pernas e pede para voar pela casa nos meus braços, um dia ache ridículo o jeito como eu falo e os valores que eu tenho. Sei lá...
Mas espero que eu o ajude a ser um cara legal. Mostre para ele os bons sons e os bons livros. Quando tiver 14 anos posso jogar nas mãos dele o “Cartas na Rua”, ler com ele os poemas do Fernando Pessoa ou até o “Feliz Ano Velho” que eu acho que é o livro responsável pela minha opção pelo lado “gauche” da vida. Um dia ainda vou escrever sobre isso aqui... Espero que passada a turbulência possamos ouvir um som juntos e que eu não atrapalhe muito os passos que ele resolver dar.
Só pra terminar, resolvi transcrever um pequeno trecho do Bukowski que nos faz pensar sobre escolhas e tal. Assim o post termina em grande estilo:

“Eu era pobre e ficaria pobre. Mas eu não queria particularmente dinheiro. Eu sequer sabia o que desejava. Sim, eu sabia. Queria algum lugar para me esconder, um lugar em que ninguém tivesse que fazer nada. O pensamento de ser alguém na vida não apenas me apavorava mas também me deixava enojado. Pensar em ser um advogado ou um professor ou um engenheiro, qualquer coisa desse tipo, parecia-me impossível. Casar, ter filhos, ficar preso a uma estrutura familiar. Ir e retornar de um local de trabalho todos os dias. Era impossível. Fazer coisas, coisas simples, participar de pique-niques em família, festas de Natal, 4 de Julho, Dia do Trabalho, Dia das Mães..., afinal, é para isso que nasce um homem, para enfrentar essas coisas até o dia de sua morte? Preferia ser um lavador de pratos, retornar para a solidão de um cubículo e beber até dormir.”

Um comentário:

Marcador de Livro. disse...

rMermao, eu sei que tem uma editora por aí, acho que em Curitiba, emfim no sul, que tinha um plano de lancar por mês uma obra do velho Bukowski. Nao sei se a empreitada continua ou em que ponto ela parou. Por isto digo, o lance é mesmo comprar os livros do cara no original pela Amazon ou coisa que o valha e mandar ver, caso tenha esta vontade. Se for esperar sair mais coisas dele, corre-se o risco de ouvir as estórias pela boca do Henrique, lhe contando já com uns 17 anos as estórias e poemas que você queria ouvir agora. Entao meu caro, aproveite o seu bom inglês e maos à cobra, ops, a obra! Saudacoes natalinas. Marcador de Livo.