quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O barulho da alma


Se o U2 fez alguma coisa que presta para a história do rock foi apresentar Daniel Lanois, produtor de alguns de seus discos de sucesso, a Bob Dylan. Lanois foi a mente diabólica por trás do som, ao mesmo tempo etéreo e áspero, de “Time Out of Mind”, um dos melhores discos da carreira de Dylan.
Em 2010, foi a vez de outro gigante do rock´n roll trabalhar com Lanois. O produtor ajudou Neil Young a alcançar momentos de beleza visceral no seu CD lançado no final de 2010. “Le Noise” faz um trocadilho com o nome do produtor e escancara a influência de Lanois na hora de “pensar o som” que o artista deseja alcançar. Sobre isso vale ler o “Crônicas”, do Dylan, que conta um pouco do trabalho que os dois realizaram em “Oh Mercy”.
Voltando ao Neil, ele é um dos grandes poetas solitários do rock, ao lado de Dylan, Lou Reed, Leonard Cohen, David Bowie, Tom Waits e alguns poucos outros. Artistas que construíram obras grandiosas e radicalmente pessoais, incluindo aí as contribuições milionárias dos erros. Em “Le Noise”, Neil Young radicalizou. Fez um disco usando sua voz e suas cordas, a guitarra elétrica gravada em camadas de efeitos ou o violão folk, mais tenso do que suave.
As resenhas falam em surpreendente, inovador, perturbador. O problema é que esses adjetivos estiveram por tantas vezes relacionados à obra do velho bardo canadense que dá pra dizer que “Le Noise” é mais um Neil Young dos bons. E isso é muita coisa.
Dizem que o disco foi concebido originalmente como acústico e que o Lanois teria convencido Neil a usar os feedbacks, ecos, delays e reverbs eletrificados. Méritos para ele. Essa transtornada no som tem tudo a ver com a fúria e a poesia da música de Neil Young. É o sol causticante nos desertos da America ou do Oriente Médio, é um céu despedaçado de prenúncio, um horizonte sem fim, flores nascendo nas ranhuras do asfalto, a dimensão confusa do demasiadamente humano. Uma roupagem nova e perfeita para tudo aquilo que já ouvimos tantas vezes no som de Neil.
A abertura com a nervosa “Walk With Me” é impressionante. É um convite, ou melhor um apelo, para a caminhada dura da vida, evocando os amigos que partiram, como o guitarrista Ben Keith, seu parceiro de décadas. Em meio aos ruídos ele canta: “I lost some people I was travelling with me/I missed a soul in the old friendship”.
Também gosto muito de “Angry World”, melodia simples e direta soterrada por guitarradas violentas. E a voz que emerge forte para refletir sobre as expectativas e os perigos da vida.
“Love And War” e “Peaceful Valley Boulevard” são as duas em que o violão aparece. Gosto especialmente da segunda, balada com letra longa. O poeta observando a terra nua ser tomada pela voracidade do homem. Linda melodia.
Há ainda a agressiva “Hitchhiker”. A tensão predomina. É Neil sozinho e o peso vale por dez bandinhas de rock atual. De quebra, rola uma citação de “Like na Inca”.
O barulho anunciado no título do disco vem menos das caixas de som do que do turbilhão que agita o coração do velho trovador. É Neil Young, seis cordas e a poesia que grita. Meu conselho: pare de ler essa bosta e compre ou baixe o disco agora.

Um comentário:

Farofa temática. disse...

Fubá meu caro, nao sei se falei, mas ano passado ao ir pro trabalho passei numa velha loja de discos excelente que tem na Kudamm. Sempre vou lá babar um pouco nos cds que nao vou comprar e ver o que anda rolando. Ainda é um daqueles lugares onde os nostálgicos se encontram, os da casa entendem de som e tudo é catalogado por gêneros e subgenêros super detalhados. Um belo dia lá de fora escutei aquele som rascante do violao do cara. Nem ia entrar na loja, nem subiria a escada. Nao deu outra, fiquei lá um tempo ouvindo o novo disco. Fui trabalhar mais tarde lembrando daquele dia único no Rio, daquele show foda, de como é bom saber que o Neil Young continua em pé dando seu recado. Mudando de assunto. Você que conhece o jet set todo, porque nao aconselha o Jards Macalé a procurar esse produtor (deve custar uma fortuna), mas o resultado seria de fuder, nao ? Ainda acho que o velho Neil Young gostaria do violao selvagem do velho Macalé. Abracao. E viva a ralé !
Pedro.
PS - Estou muito aliviado. Meu último semestre praticamente acabou. Apresentei o seminário e só tenho duas aulas na semana que vem para assistir tranquilamente. Depois faltam apenas dois trabalhos e a redacao da dissertacao. Espero por tanto tempo me dedicar só a escritura do lance que sei que será um tanto catártico.Embora nao me engane das dificuldades. Mas tenho um prazer imenso em fazer isso. Estou chegando ao final mermao ! E vivo e forte!
Viva Neil Young & Jards Macalé !