sábado, 3 de outubro de 2009

Lóki - o filme


“Dizem que sou louco/ Por pensar assim/ Sim, sou muito louco/ Por eu ser feliz/ Mas louco é quem me diz/ E não é feliz”. Os versos da “Balada do Louco”, composta e gravada pelos Mutantes em 1972, funcionam como mote para a história contada no documentário “Lóki”, dirigido por Paulo Fontenelle, sobre a vida de Arnaldo Baptista, tecladista, líder e principal compositor do grupo.
Arnaldo sucumbiu a uma guerra mental travada entre sua genialidade artística, a sensibilidade fora do comum, as drogas lisérgicas consumidas com intensidade nos anos 70, o martírio amoroso após a separação de Rita Lee e o desprezo da mídia pelo seu trabalho solo.
O filme de Fontenelle mostra isso, mas reafirma o lado heróico da trajetória do ex-mutante. O artista consagrado que foi aos infernos, conheceu a decadência, passou a centímetros da morte e ainda está por aí. Feliz como o louco da “Balada”. Documenta, mas também mitifica. O que, cá entre nós, não faz mal nenhum. A sobrevivência de um artista talentoso, dono de uma obra desenvolvida com rigor, deve ser comemorada cada vez mais diante do cenário de mediocridade absoluta que impera na música do país. Vamos mitificar quem? As pernas compridas e as interpretações truculentas da tal Ivete? O deserto mental dos sertanejos românticos? Que se dê a Arnaldo Baptista as loas que ele merece. E se sua história trágica turbina o mito, o que se há de fazer?
Para os que já conhecem a obra de Arnaldo, que se insurge como uma ilha de originalidade musical e poética, seja com os Mutantes, seja em carreira solo, o filme é um deleite. Principalmente pelas imagens raras que Fontenelle descobriu nos baús mais empoeirados da cultura brasileira. Tem os Mutantes, ainda com Rita Lee, tocando “Ando Meio Desligado” numa performance arrasadora diante de uma grande público em algum lugar dos anos 70. Também tem os Mutantes, já sem Rita, no início da fase progressiva da banda mandando ver em “O A e o Z”.
Mas são as imagens raríssimas da carreira solo de Arnaldo que vão enlouquecer os fãs. Um belíssimo clip de “Será que Eu Vou Virar Bolor?”, faixa de abertura do LP “Lóki” de 1974. Embora o filme não traga maiores informações, creio que é um daqueles clips que o “Fantástico”, da TV Globo, produzia, ainda na era “pré-videoclip”. Melhor que isso, só ver Arnaldo tocando com a poderosa banda de hard rock Patrulha do Espaço, grupo criado por ele após sua saída dos Mutantes. Com a Patrulha, Arnaldo gravou coisas lindíssimas que só saíram em disco no final da década de 80, quando o músico estava totalmente afastado da vida artística. O grupo prosseguiu após a saída do seu criador e se transformou numa banda heavy metal respeitada no meio underground paulistano.
Por fim, há vários bons depoimentos. Antigos e atuais. Além de Arnaldo, falam Tom Zé, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Nelson Motta, Roberto Menescal, Zélia Duncan, Lobão, todos os ex-Mutantes (menos Rita Lee), o artista plástico Antonio Peticov e o produtor musical Luiz Carlos Calanca e os gringos Sean Ono Lennon e Devendra Banhart.
O advento da volta dos Mutantes também está presente no documentário. As cenas da reestréia do grupo, em Londres, e do show para 80 mil pessoas em São Paulo são emocionantes.
“Lóki” vale a pena. É memória e é experiência. Ambas articuladas à grande arte, delirante e intransferível, de Arnaldo Dias Baptista. Obrigatório.

Obs. – Para quem é fã de Arnaldo e da banda a Revista Trip deste mês traz uma matéria sobre a lendária viagem de moto do ex-mutante pela América Latina. A revista promoveu o encontro entre Arnaldo e dois companheiros de aventuras motociclísticas. Interessante.

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