domingo, 15 de fevereiro de 2009

Trechos de Borges – dos contos de “O Aleph”

“... a lua tinha a mesma cor da areia infinita”.

“No sétimo século de Hégira, no arrabalde de Bulaq, transcrevi com pausada caligrafia, num idioma que esqueci, num alfabeto que ignoro, as sete viagens de Simbad e a história da Cidade de Bronze.”

“O sol da manhã rebrilhou na espada de bronze. Já não restava qualquer vestígio de sangue”.

“Olho a minha face no espelho para saber quem sou, para saber como me portarei dentro de algumas horas, quando me defrontar com o fim. Minha carne pode ter medo; eu não tenho!”

“Não há homem que não aspire à plenitude, quer dizer, à soma de experiências de que um homem é capaz; não há homem que não tema ser lesado em alguma parte deste patrimônio infinito”.

“O importante é que reine a violência. Não a servil timidez cristã.”

“O medo do grosseiramente infinito, do mero espaço, da mera matéria tocou Averróis por um instante. Olhou o simétrico jardim; sentiu-se envelhecido, inútil, irreal”.

“Nos velórios, o progresso da decomposição faz com que o morto recupere suas faces anteriores. Em algum momento da confusa noite do dia seis, Teodelina Villar foi magicamente a que fora há vinte anos; seus traços recobraram a autoridade imposta pelo orgulho, pelo dinheiro, pela juventude, pela consciência de coroar uma hierarquia, pela falta de imaginação, pelas limitações, pela estupidez. Pensei mais ou menos assim: nenhuma versão dessa face que tanto me inquietou será tão memorável como esta; convém que seja a última, já que pode ser a primeira. Deixei-a rígida entre as flores, seu desdém aperfeiçoado pela morte. Seriam duas da manhã quando saí. Fora, as previstas fileiras de casas baixas e de casas de um pavimento tomaram o ar abstrato que costumam tomar à noite, quando a sombra e o silêncio as simplificam. Ébrio de uma piedade quase impessoal, caminhei pelas ruas”.

“Não se pode contar como era essa casa, que mais parecia um só quarto, com filas de armários ou balcões, uns sobre os outros. Nessas cavidades havia gente comendo e bebendo, e também no chão, e também num terraço. As pessoas desse terraço tocavam tambor e alaúde, menos umas quinze ou vinte (com máscaras vermelhas) que rezavam, cantavam e dialogavam. Estavam presas, e ninguém via o cárcere; cavalgavam, mas não se percebia o cavalo; combatiam, mas as espadas eram de cana; morriam e logo estavam de pé”.

“Um homem se confunde, gradualmente, com a forma de seu destino; um homem é, afinal, suas circunstâncias.”

“A confusão e a maravilha são atitudes próprias de Deus e não dos homens”.

“Compreendi que o trabalho do poeta não estava na poesia; estava na invenção de razões para que a poesia fosse admirável”.

Nenhum comentário: