
Acabo de ler “Miguel e os Demônios” do Lourenço Mutarelli. Li de uma vez só e fiquei com a impressão de que essa é a melhor forma de entrar nessa viagem doentia, arriscada e fascinante do autor.
Lembro que no início dos anos 90 quando meu velho amigo Zulu apareceu com “Transubstanciação”, que desconfio ter sido o primeiro álbum de quadrinhos publicado por Mutarelli, fiquei muito impressionado com o trabalho. O lance da angústia, da podridão, da ânsia pelo gozo em que seus personagens estavam mergulhados.
Li também os gibis “Desgraçados” e “O Dobro de Cinco”. Embora meu irmãozinho Pedro, esse sempre antenado com o que acontece de legal na literatura brasileira, mesmo estando a flanar e estudar na gélida Berlim (cidade-musa de Lou Reed, Nick Cave e David Bowie), já tivesse chamado minha atenção para os romances do Mutarelli, eu nunca tinha lido nenhum. Vi o filme de “O Cheiro do Ralo” e gostei.
Achei “Miguel e os demônios” admirável. A narrativa explicitamente cinematográfica, com direito a marcação de câmeras em vários pontos. O pequeno universo de perdedores que povoa o romance é exatamente o que eu tinha em mente ao tomar seus quadrinhos como referência.
Um dado que acho muito interessante no que ele faz é que embora a historia se situe no olho do mundo cão, em cenários absolutamente comuns e rotineiros, há sempre a presença de delírios e experiências místicas que brotam daquele chorume cotidiano. No caminho estreito dos fudidos e mal pagos (no caso deste livro, um investigador de polícia) a insanidade permanece em estado de larva, para a qualquer momento, por conta do sexo, da violência ou da solidão, sofrer a mutação e tomar conta da situação. O inseto que zumbe. Mas que acaba preso no pára-brisas num dia de calor.
