quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Comendo ópio com sal


Ando empacado na leitura de “Confissões de um Comedor de Ópio”, de Thomas De Quincey, na edição da coleção “Intoxicações” lançada pela Ediouro. Tenho trabalhado muito e sobra pouco tempo pra ler. Além disso, “Confissões” não é uma leitura das mais fáceis. Nas primeiras duzentas páginas do livro o autor narra episódios de sua infância e adolescência, às vezes com longas digressões sobre temas que hoje não nos parecem tão interessantes como devem ter sido para os leitores de outros tempos.
Acabo de começar a segunda parte do livro, intitulada “Volúpias do Ópio”, onde devem surgir as descrições das viagens que tornaram a obra famosa. Logo no início dessa parte um trecho “em feitio de oração” aos milagres dos estados alterados de consciência.

“Ó justo, sutil e conquistador ópio! Que, para os corações de ricos e pobres igualmente, para os ferimentos que jamais serão curados, e para os golpes de dor que “tentam o espírito a se rebelar”, trazes um bálsamo aliviador. Eloquente ópio! Que com tua poderosa retórica roubas os propósitos da ira, suplicas eficazmente por piedade leniente, e através do sono celestial de uma noite lembras ao homem culpado as visões de sua infância, e mãos purificadas do sangue. Ó justo e equânime ópio! Que ao tribunal dos sonhos chamas, para os triunfos da inocência desesperada, falsas testemunhas, e confundes o perjúrio, e revertes as sentenças de juízes injustos; construíste sobre o colo da escuridão, da fantástica imaginação do cérebro, cidades e templos, além de arte de Fídias e Praxíteles, além dos esplendores de Babilônia e Hecatômpilos, e, “da anarquia do sono sonhador” chamas à luz do sol as faces de belezas há muito sepultadas, e as abençoadas feições domésticas, limpas das “desonras do túmulo”. Somente tu dás esses dons ao homem, e tens as chaves do Paraíso, ó justo, sutil e poderoso ópio!”

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Oh! Sweet Nothing


Ela olhava o relógio preparava o banho. Já estava quase na hora. Deixou a roupa dobrada em cima do banquinho com a esperança de não precisar usá-la. O plano era simples. Quando o porteiro avisasse que ele chegou, ela mandaria subir e pediria para dizer que a porta estava aberta, ela estava ocupada e era pra ele entrar direto. Nesse momento, ela correria para o chuveiro e deixaria a porta do banheiro destrancada.

Ele desceu do metrô e veio caminhando pela rua, já pouco movimentada naquela hora da noite. Sempre gostara de andar a pé em São Paulo, principalmente quando não tinha hora para chegar, o que não era o caso nesta noite. Apesar do compromisso, caminhar ajudava a relaxar e arejar os pensamentos enquanto o coração acelerava. Na última vez tinha sido uma broxada homérica, dessas de não esquecer jamais.

Na última vez foi uma broxada e tanto, ela pensou e prometeu para si mesma tentar descontrair o ambiente o máximo possível. Ao ouvir o interfone tocar deu as instruções ao porteiro e correu para baixo do chuveiro. Não sabia se deveria usar xampu ou não. Será que isso vai atrapalhar a transa? É melhor não estar com os cabelos cobertos de espuma quando ele entrar no box, se ele entrar. Mas ele vai entrar...

Subindo pelo elevador ele ficou nervoso ao perceber que suava mais do que o recomendável para aquelas circunstâncias. Seria um princípio de nervosismo? Claro que é. E pensava: porra, não vai essa merda de ansiedade me impedir de comer essa mulher de novo. Isso é tudo que eu não preciso. Espero que ela tenha umas cervejas na geladeira. Vou pedir para beber. Preciso me acalmar.

Ela toma seu banho, fazendo os movimentos todos, fingindo para si mesma. Os ouvidos ligados. Parece que ele entrou no apartamento. Quando ele vai entrar no banheiro? Acho meio impossível o cara ficar aí sentado no sofá, com a televisão e o som desligados, ouvindo o barulho do chuveiro, vendo essa porta só encostada e não entrar aqui. E o instinto, afinal?

Ele entra no apartamento. É a segunda vez que pisa ali. Tranca a porta, dá aquela olhada geral. A porta dá direto na pequena sala, arrumadinha, com televisão, alguns livros, vasinhos pequenos de flores e um aquário minúsculo com um peixe colorido trancafiado. O aparelho de som parece ridiculamente pequeno e numa olhada rápida já considera os discos ruins. A cozinha à direita também está acesa. Também acanhada. Dá uma olhada rápida, menos para ver e mais para dar tempo de criar coragem de invadir o banheiro. Respira fundo, mão na maçaneta, empurra a porta que só estava encostada.

Mas que menino curioso, diz sorridente, em resposta ao tímido aviso de invasão que ouve. Fica ali por trás da cortininha do box, nua, braços cruzados sobre os seios, seu melhor sorriso, o mais convidativo, quando o rosto dele surge, sorrindo também. Um beijo curto. Uma promessa de espera e ele sai do box rápido demais. Tímido demais. Meu, como ele não entrou? Será que eu devia ter convidado? Precisava ser mais clara do que deixar ele entrar no meu banho? Que droga!

De volta à sala ele procura ocupar a mente o máximo que pode. Olha para o peixe e acha o aquário ridículo. Procura pela vista da janela, que dá para outra janela do prédio ao lado. Pensa se devia ficar com ela no banho, mas não se deixa responder. Resolve pensar em outra coisa, alcança uma revista de moda abandonada numa mesinha de canto e procura se distrair com as fotos.

Ela arma o melhor sorriso novamente ao sair do banheiro. Enrolada na toalha, passa por ele e vai para o quarto. Deixa a porta aberta. Escolhe uma calcinha pequena, a mais sexy. Com um passo para a direita ela estaria em frente à porta aberta e ele poderia facilmente vê-la se trocar. Mas tem medo da reação dele. Ao se deixar ver nua no banho, o mínimo que esperava era que ele arrancasse a roupa e entrasse ali com ela. Agora já não sabe bem qual era a dele.

Conversavam amenidades. Viu o prédio aí da esquina, já iluminado pro Natal? Meio cedo, não acha?. Ele falava pouco. Pensou que assim poderia estar demonstrando tensão para ela. Resolveu dominar o papo. Muito estranho esse filme novo do David Lynch. Foi ver? Filme de quem? Não...

Ela sai do quarto com sua calcinha especial por baixo de uma camisolinha curta. Prepara alguma coisa pra comer. Tá com fome? Ele diz que não. Será que era melhor ter ido ao cinema? Ao teatro? Ele tá muito tenso. Desse jeito vai broxar de novo. Oferece o último pedaço de uma torta que comprou na padaria da esquina ontem.

Vão. Não tem cerveja em casa. Nem qualquer outra bebida alcoólica. Ele toma um copo de um suco de soja com sabor de uva e acha horrível. Recusa a torta de ricota. Não entende como alguém pode ter vontade de comer ricota. Gosta do quarto dela. É pequeno e limpo. O guarda roupas e o colchão no chão. A janela pequenina tem uma vista incrível, principalmente nessa noite de chuva.

Ela resolve não ficar fazendo malabarismos para esconder a calcinha. Sentam-se no colchão no chão e ficam falando de alguns colegas de faculdade, dos trabalhos, de doenças. Ela não consegue deixar de sorrir quando ele diz que seu cabelo está bonito. Ele não sabe como fica muito mais bonito quando ela goza. Ela sempre se olha no espelho depois que goza só para ver os cabelos.

Ele acha engraçado ela comer Sucrilhos àquela hora da noite. Coisa de café da manhã, pensa. Acha bonito ela sentada no colchão segurando o prato de Sucrilhos com leite. A combinação do ar inocente enquanto levaa colher à boca, tomando cuidado para o leite não cair, e a visão da calcinha amarela, exibida sem pudores excitou sua imaginação. Não pode deixar de imaginar uma gota do leite branco se equilibrando na ponta do mamilo escuro.

Em segredo, ela sente alívio quando ele pede para ela deixar o prato de lado. Sorri ao subir a camisola para cima do peito como ele havia pedido. Se acomoda melhor nos travesseiros. Será que ele gostou dessa calcinha? Sorri e também acha bonita a gota de leite no seu mamilo escuro.

Diz a ela que não precisa apagar a luz. Tira a roupa. A caçada pela gota que escorreu do peito dela não fora planejada mas facilitou as coisas, indicou o caminho dos beijos e o poupou das palavras que ele não tem mais vontade de falar. Talvez tenha tirado a roupa rápido demais.

Pelo jeito apressado que ele tirou a roupa ela sabe que algo esta errado. Assim não vai dar certo. Mais uma vez não dá certo. Tudo tem dado errado com ele. Não adianta planejar e tomar todos os cuidados. Parece que ele nunca fica à vontade.

Resolve ir embora. Pede desculpas. O problema é comigo. Não adianta. E não vai adiantar ficar aqui olhando para o teto. Faz frio lá fora, mas caminhar me tranqüiliza. Nem vou pegar taxi. Minha blusa tem capuz. Quando eu chegar em casa vai estar perto de amanhecer.

Depois que ele sai ela fica deitada no sofá por um tempo. Sente frio e volta para o quarto. Coloca o despertador para dali a duas horas. Amanhã é dia útil. Pegou no sono mais rápido que esperava.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

I´m really amazed

Neste final de semana em Sampa Aline e eu assistimos a peça “Mente Mentira” do Sam Shepard. Do caralho. Montagem fantástica, atores, cenários, ritmo, tudo. Fazia tempo que não via algo tão fudido no teatro. Também vimos “Música para ninar dinossauros” do Mario Bortolotto, na Mostra do Cemitério de Automóveis que vai até outubro no Centro Cultural São Paulo. Muito legal também. Teria milhares de coisas para escrever sobre as peças, mas a preguiça domina. Outro dia escrevo com calma. Agora, só queria registrar uma coisa sobre a trilha sonora da peça do Cemitério. Tem coisas fantásticas de Louis Armstrong, Van Morrisson e até “Jump” do Van Halen num dos melhores momentos da peça. Sem falar nos blues executados ao vivo pelas atrizes e pelo ator Paulo de Tharso. Mas o que achei foda é que a peça termina com “Maybe I´m Amazed” do Paul McCartney explodindo nos alto falantes. E tem tudo a ver. Acho que lá no escuro da platéia balancei a cabeça afirmativamente. Legal que usaram essa que é uma das músicas mais fodas do Macartney e, portanto, do rock´n roll. Se tem algo que me emputece é uma certa visão poser das coisas que impede que as pessoas admitam que gostam do velho Macca. Gostar do Lennon pode, afinal ele era engajado, briguento, ranheta e “lutava contra o sistema”. Já o Paul era o beatle bonitinho que fazia as músicas lindas para a namoradinha milionária, com quem aliás viveu a vida inteira casadinho e sossegado. Verdadeiro atestado de bundão. Aliás, pra que falar nos laureados Beatles se temos os “malvados e perigosos” Rolling Stones? É o mesmo papinho furado que ouvi de um amigo uma vez dizendo que não ouvia Led Zeppelin porque era comercial. Já as milhares de imitações vagabundas da dupla Page e Plant ele consumia com voracidade. Só porque o Zepellin era uma banda de sucesso. Pau no cu. Macartney tem vários discos ruins. Mas Lou Reed, Neil Young, Bob Dylan, Iggy Pop e todos os caras fodas do rock têm seus momentos desastrosos. O problema, mermão, é que quando o cara acerta e vem aquele som do baixo Hoffner, aquelas melodias de arrancar o coração e a voz rascante aprendida em milhares de horas ouvindo Little Richard, não tem pra mais ninguém. O resto todo ajoelha e bate palmas. Simples assim. Para quem discorda recomendo ouvir o primeirão dele, que tem “Maybe I´m Amazed” e no qual ele toca todos os instrumentos. Ou então seus trabalhos de estúdio, do “Run Devil Run” até agora. Todos muito bons. Paul Macartney é um dos grandes. Dos maiores. O Bortolotto ou sei lá quem fez a trilha sonora sabe disso. Paguei pau!